Opinião

Prisão de deputado bolsonarista: ataques à democracia pedem a força da lei

Rejane Negreiros

“Não haverá estado de direito sem que os poderes sejam independentes”, disse Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre os ataques do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL). Partiu de Moraes a ordem da prisão. Demais ministros assinaram embaixo. Marco Aurélio de Mello, pontuou: “jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão chula”.

Silveira é daqueles que só conseguem chamar atenção pela brabeza. Grita, esperneia, agride. Não tem pudor, limite ou ética. É raso e carrega punções autoritárias: apela à irracionalidade, desvaloriza a educação e as artes mas supervaloriza a ordem e é submisso à autoridade. É também violento com os mais fracos – basta ver como tratou a policial que exigiu dele o uso da máscara. Tipo sádico, parlamentar inexpressivo. Foi eleito na onda que trouxe outros como ele à esfera política. Prova de que nem tudo que é novo é bom. Na verdade, pode ser bem ruim.

A prisão do parlamentar medíocre repercutiu. O PSL resolveu expulsá-lo. Na Câmara Federal, o apoio é tímido e vem de outros que, assim como ele, são adeptos de uma política medieval, ou melhor, da antipolítica. Sujeitos assim só promovem retrocesso e desserviço. O tal Daniel pode perder o mandato. Seria uma resposta de uma Casa em defesa daquilo que ela representa: a democracia.

Os que alegam prisão arbitrária desprezam o crime continuado de um deputado que defende a volta do AI-5, considerado o mais brutal dos Atos Institucionais da ditadura militar no Brasil, e a destituição do Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os que alegam ainda que a prisão é um atentado contra a imunidade parlamentar e à liberdade de expressão, ignoram o básico: não há direito absoluto nem salvo-conduto capaz de justificar que usem a democracia para pregar o fim dela própria. Não é possível naturalizar tamanho paradoxo. Tanto é que a Constituição Federal permite a prisão em flagrante de quem, mesmo a pretexto da simples manifestação de opinião, comete crime. Esse foi o recado do Supremo.

Qual será a resposta da Câmara dos deputados? O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deu uma ideia. Em uma publicação no Twitter defendeu a democracia e as instituições.

Outro deputado, Fausto Pinato, do PP de São Paulo, disse que é hora de “dar um recado aos extremistas que instigam a ruptura institucional”. Mais um indício de que o mandato do Silveira está para ser casado. Por hora o que temos é a reação do Supremo e uma comemoração coletiva pela posição tomada contra os arreganhos autoritários.

Mas o que fez o STF foi tratar, em duas doses, apenas de um sintoma. O jurista Walter Maierovitch foi feliz na afirmação que fez sobre o caso. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal tá gastando vela de libra com mau defunto”. O remédio aplicado pelo STF, de quebra, o colocou em uma incômoda posição de inquisidor.  Maierovitch argumentou que a prisão era necessária, mas que “tudo isso deveria ser tratado em inquérito comum, com a atuação do Ministério Público, trilhado o caminho legal”. E ponderou: “como pode o Supremo ser ao mesmo tempo operador, determinar prisão, investigador e vai ser o julgador?”.

Queda de braço está na mesa. É certo que o STF agiu na inércia das demais instituições. Certo é também que o Supremo acabou entrando em uma seara delicada, colocando ainda mais pólvora na conturbada e explosiva relação entre os Poderes – antes, defendem alguns, pecar pelo excesso que pela omissão. Um outro ponto que não pode ser desprezado nessa discussão: o caso Daniel Silveira cheira à cortina de fumaça e bate com o modus operandi bolsonarista: criar factóides para desviar a atenção de outros temas: saúde, Pazuello, vacina, covid, pandemia etc.

Sendo isso ou não, poderemos ter algo de pedagógico (e necessário) nisso tudo: a queda do deputado, se vier, servirá como demonstração de que a democracia é capaz de reação às situações mais adversas. Mas só isso não basta. Não por muito tempo. Outros sintomas certamente vão surgir. Será preciso tratar a doença, atacar o problema na fonte. Isso pede doses contínuas de exercício da cidadania com mobilização social. Pede também instituições vigilantes e dispostas a coibir impulsos extremistas que ameaçam a ordem democrática. Com extremistas não há diálogo possível, só a força da lei.