Opinião

Cinco anos do golpe

Um golpe jurídico, parlamentar e midiático. Sem crime de responsabilidade, o Senado aprovava em 31 de agosto de 2016 o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). O seu sucessor, Michel Temer, deu início a um processo de desmonte de direitos e políticas públicas que foi intensificado sobremaneira pelo governo Bolsonaro.

De certo que, na política econômica, o governo Dilma cometeu sérios equívocos quando não percebeu o aumento da inflação de serviços e o desequilíbrio na balança comercial a partir da desvalorização das commodities – reflexo de um cenário internacional altamente desfavorável. A fragilidade do governo se intensificou com as pautas-bomba e a obstrução de sessões no Congresso por parte de Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal à época. Mas não havia crime. Sua retirada à força foi golpe.

O impeachment de Dilma provocou ainda mais instabilidade no país, abriu caminho para uma agenda econômica neoliberal, agressiva e regressiva porque austera e geradora de pobrezas e desigualdades. Com ele, a implementação de políticas reformistas que levaram ao desmonte do Estado de bem-estar social e uma onda de ressentimentos que levou à criminalização da política e à eleição da extrema-direita com seus arreganhos autoritários.

Um golpe sempre deixa suas marcas e, como se vê, elas são profundas. A crise da fé na democracia é também uma delas. Como a política não tem sido capaz de gerar condições equitativas e combater a exclusão social, o que sobra é uma crise geral de confiança, de medo e de tensão. Esse estado de coisas é o alicerce para as crises que nos assolam.  E um golpe furtivo, que se impõe gradualmente, por dentro das leis, costurado por políticos democraticamente eleitos como se deu no Brasil, é dos mais perigosos. Como não parece uma ruptura, não causa espanto mas provoca uma série de estragos. O Brasil de hoje é o mais fiel retrato disso.

Sendo assim, o Blog traz agora a reprodução de uma reportagem publicada no Portal JC. Nela, uma entrevista com Dilma Rousseff concedida à Fundação Ábramo. A petista fala sobre o golpe que sofreu e suas repercussões.

e a atual crise política no Brasil é um desdobramento do processo de impeachment ocorrido em 2016. Terça-feira (31) completou-se cinco anos do processo de impedimento que tirou a petista do poder.

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) afirma que a atual crise política no Brasil é um desdobramento do processo de impeachment ocorrido em 2016. Nesta terça-feira (31) são completados cinco anos do processo de impedimento que tirou a petista do poder.

Dilma concedeu entrevista ao portal da Fundação Perseu Abramo e disse que “o golpe de 2016 é o ato zero do golpe, é o ato inaugural, mas o processo continua. É o pecado original dessa crise que o país atravessa. É a partir dali que se desenrola todo o processo golpista”, diz.  “O que estamos vivendo são as etapas do possível endurecimento do regime político no Brasil. O governo flertando com a possibilidade de um golpe dentro do golpe”, completa a petista.

No segundo processo de impeachment presidencial do Brasil pós redemocratização, o plenário do Senado aprovou o afastamento de Dilma em 31 de agosto, interrompendo um ciclo de 13 anos de gestão PT. Antes da decisão do Senado, o processo contra Dilma foi autorizado pela Câmara em abril de 2016. Dilma disputou as eleições de 2018, mas não conseguiu se eleger senadora por Minas Gerais.

Bolsonaro

Sobre o presidente da República, Jair Bolsonaro, Dilma afirmou que o país vive a possibilidade de um segundo golpe, já que ela considera o processo de deposição ao qual foi submetida como ilegítimo. “É preciso entender o jogo. O golpe ocorreu em 31 de agosto de 2016. O que estamos vivendo agora é a possibilidade de um novo golpe baseado nas formas derivadas da guerra híbrida. Lá atrás, houve um golpe parlamentar, Judiciário e midiático. Mas, sobretudo, um golpe do setor financeiro, do capitalismo financeirizado. Um golpe neoliberal”, afirma.

A petista alfinetou o Judiciário, que, segundo ela, só percebeu agora as ameaças à democracia porque “chegou agora neles”. “Quando eu disse, há cinco anos, que o golpe não ficaria ali, é porque sabia que haveria um avanço rápido sobre todas as instituições.”

Dilma disse, ainda, que “o ato seguinte ao golpe do impeachment foi a prisão do Lula”, em abril de 2018, para, na visão dela, inviabilizar a possibilidade de o petista se candidatar à Presidência. “Ora, se o Lula é eleito, o golpe seria interrompido. Mas, não bastou prendê-lo. Afinal, ele não perdeu a popularidade que desfrutava. Ainda era competitivo. E não perdeu a confiança do povo. Daí então, passa-se a um novo ato do golpe: a interdição de Lula do processo eleitoral. Ele é condenado, preso e, finalmente, tiraram-no das eleições de 2018. Não pode falar e nem fazer campanha. O golpe foi se aprofundando.”

Foto: Roberto Stuckert Filho/PT