Opinião

Ideologia, sim. Ódio, jamais! Por mais racionalidade na política

“Não se governa com ideologia”. A afirmação do vice-presidente do União Brasil na Paraíba, deputado Julian Lemos, é uma referência indireta ao presidente da República, de quem já foi muito próximo.

Em evento do União Brasil na Paraíba, em João Pessoa, Lemos afirmou que, politicamente, está no campo dos moderados e que os radicais, a quem denominou de direita, não entendem isso. Mas ele já esteve do lados dos radicais quando da campanha de Bolsonaro e dos primeiros meses de seu mandato. Foi rejeitado depois de se envolver em conflitos com os filhos do presidente. Acabou deslocado e precisou se reacomodar.

Julian Lemos chegou a se aproximar, na Paraíba, do governador João Azevêdo (PSB). No evento de filiação de João ao PSB ele estava lá e discursou aos presentes. Hoje está com Pedro Cunha Lima (PSDB) e, portanto, no campo adversário ao governo estadual. Na corrida presidencial, o partido de Lemos tem nome para a disputa ao Palácio do Planalto: Luciano Bivar.

“Eu sou uma pessoa de centro-direita, não tenho problema em conversar com quem é de centro-esquerda e até de esquerda, mas isso pra quem é de direita é inconcebível. É isso que as polarizações não admitem. Não se governa com ideologia”, disse.

Ñão é verdade. A ideologia faz parte do jogo, bem como o respeito às regras democráticas. Mas a fala e o comportamento de Julian Lemos mostram que ele parece ter aprendido uma lição básica: as diferenças não devem excluir o diálogo. O que está fora disso não é política, é antipolítica e uma porta escancarada para o autoritarismo. Se o diálogo se dá entre posições diferentes é porque o sistema democrático contempla a convivência com visões de mundo distintas. Neste aspecto, é salutar que as concepções ideológicas fiquem expostas e não dissimuladas. 

Ademais, é preciso entender que a política como ela é hoje é reflexo de uma sociedade polarizada. Logo, o buraco é mais embaixo e frases de efeito não dão conta do tamanho de sua complexidade. Há uma guerra de interesses vigente e a reorganização das direitas no Brasil, a sua radicalização e a defesa de um projeto ultraliberal – com menos direitos para dar mais lucro ao mercado – e neoconservador – com redução das políticas públicas voltadas para os grupos vulnerabilizados como a população LGBTQIA+, por exemplo -, estão no bojo desse fenômeno. Essa nova direita, já apropriada dos espaços na esfera digital, conseguiu mobilizar pessoas por meio de discurso anticorrupção. Essa nova direita esvaziou o debate político e investiu na política da exclusão. O que vemos agora é reflexo disso. A eleição de Bolsonaro e Julian Lemos foi reflexo disso.

A saída dessa arapuca depende de novas escolhas. O juiz de Direito Rubens Casara, em seu livro “Bolsonaro, o mito e o sintoma” é irretocável quando afirma que “é preciso insistir na força do comum, desdemonizar e refundar o conceito do comum como objeto da política”, ou seja, é preciso adotar os princípios da coletividade e da objetividade para pavimentar um caminho de oportunidades “por e para todos”. Nesse sentido, é mister estancar o processo de desdemocratização no país e ampliar os espaços de participação real sem desconetá-los da diversidade da população. Logo, não é de menos ideologia que precisamos. Precisamos de menos ódio na política, de menos política de ódio e de mais política da racionalidade e da inclusão.