Opinião

Brasil: eleições entregam nosso caráter fascista. Na Paraíba, divisão da esquerda elege senador bolsonarista

As eleições deste domingo mostraram que há no país um passado que não passa. O resultado das urnas é reflexo de uma nação ultraconservadora, violenta e de forte tradição autoritária. Os mais de 51 milhões de votos depositados em Jair Bolsonaro são prova inconteste de que o bolsonarismo não é mais uma tendência apenas, mas a expressão de um Brasil real. Mesmo que Jair Bolsonaro caia, o bolsonarismo permanecerá. Sim, somos um povo festivo, mas somos também, em grande medida, um povo violento, racista e indiferente ao sofrimento alheio. Em boa medida abdicamos da consciência e da razão em nome de uma emoção cega, burra, intolerante. Temos naturalizado o mal. Nossa medida tem sido o próprio mal. A enxurrada de ataques xenofóbicos sofridos pelo povo nordestino pós-primeiro turno é sintoma disso.

Demonstração de força – O bolsonarismo é uma ideologia que sintetiza a política cínica e fascista pautada no negacionismo, no ódio às políticas distributivas, à diversidade, ao conhecimento, aos direitos humanos, ao debate racional. Foi esse caldo de preconceitos e maldade que elegeu, mais uma vez, a maior bancada do Congresso Nacional. Só na Câmara dos Deputados, o PL passou de 77 para 99 deputados. União Brasil fez 59. Entre os novos parlamentares, ministros e ex-ministros de Bolsonaro: Damares, Sales, Pazuello, Pontes, Marinho… Em nome de uma suposta liberdade e contra um comunismo que nunca existiu, rejeitamos avanços civilizatórios em defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, da saúde, da vida. Operamos na faixa da irracionalidade.

Votações expressivas – O deputado mais bem votado do Brasil é das Minas Gerais. Teve 1.492.047 votos. Trata-se de um jovem bolsonarista de 26 anos que representa um pensamento retrográdo, incapaz de enxergar a pluralidade de ideias e de respeitar às diferenças que soam para seus iguais como uma ameaça. Na Paraíba, bolsonaristas também tiveram votações expressivas. Cabo Gilberto (PL), da ala mais radicalizada, teve acima de 126 mil votos para a Câmara Federal. O pastor Sergio Queiroz (PRTB), e Bruno Roberto (PL), ambos bolsonaristas, concentraram, juntos, mais de 23% dos votos para o Senado. Outro bolsonarista levou: Efraim Filho (União) teve 30,82% dos votos válidos. Os três tiveram a preferência da metade da população paraibana. O também bolsonarista Nilvan Ferreira (PL), ficou em terceiro na disputa pelo governo, com 406.604 votos (18,68%). Não é pouco. Nilvan desvancou o candidato de Lula, senador Veneziano Vital do Rego (MDB), que ficou em quarto lugar.

Sob suspeição – Esse cenário levantou suspeitas sobre as pesquisas eleitorais, principalmente no cenário nacional. Elas não teriam captado o tamanho do bolsonarismo. Representantes do Datafolha e do Ipec reagiram e alegaram que houve uma migração dos indecisos para Bolsonaro e que parte dos eleitores que havia declarado voto em Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) resolveu, de última hora, votar em Bolsonaro para evitar uma vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno. Ou seja, a campanha petista pelo voto útil teria tido efeito inverso para esse público.

Democracia fragilizada – Ainda que este tenha sido um motivo que turbinou a campanha de Jair Bolsonaro e de bolsonaristas na reta final do primeiro turno, não foi o único. Há outros elementos que importam e que denunciam uma democracia de baixa intensidade: o escandaloso orçamento secreto, a compra de votos por meio de PEC dos Auxílios (R$ 41,5 bi), as fake news. Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emitir 20 mil alertas para redes sociais retirarem conteúdo falso do ar e informar sobre ação de robôs e disparo de mensagens em massa, o compartilhamento de notícias políticas falsas é uma ameaça real.

Na guerra e na guerra – Até 30 de outubro, quando saberemos o resultado das urnas, Bolsonaro usará a máquina descaradamente – como tem feito – em favor de sua reeleição. Terá, em seu favor, o pelotão de eleitos e reeleitos trabalhando para isso, não só no Congresso, mas nos estados, a exemplo de Romeu Zema, reconduzidos ao cargo com 6,094 milhões de votos.

Ampliar é preciso – Lula teve o maior número de votos da história desde a redemocratização. Mais de 57 milhões de eleitores e eleitoras, militantes ou não, votaram pela retomada de um Brasil “sem medo”. Terminar o primeiro turno em primeiro, porém, não garante jogo ganho no segundo. O petista precisa articular novos apoios, dialogar com segmentos religiosas, com núcleos de empresariados ainda resistentes a seu nome. E é pra ontem.

Voltando à Paraíba – O PT deve anunciar apoio a João Azevêdo (Cidadania) nesta quarta-feira (4). O contrário, ou a neutralidade, não teria qualquer sentido. E não, não é João e Ricardo Coutinho (PT) juntos de novo. Não se trata de uma questão personalista. Legitimar a candidatura de João é fortalecer a campanha de Lula no Estado. Como dizem por aqui, o PT não faz mais que sua obrigação.

Divisão da esquerda – A Paraíba, majoritariamente “vermelha” a tirar pelos 1.554.868 que Lula recebeu no estado, o que representa 64,21% do total, elegeu um senador de direita e da base de Bolsonaro. O estado, tal qual no Rio Grande do Norte, que também elegeu um senador bolsonarista apesar de referendar o governo da petista Fátima Bezerra, teve dois candidatos de esquerda: Pollyanna Dutra (PSB) e Ricardo Coutinho. Dutra estava “limpa”; Ricardo, com problema na justiça eleitoral e candidatura sub judice. O petista não desistiu, dividiu a esquerda. Em miúdos: atuou para desidratar a socialista e, intencionalmente ou não, como cabo eleitoral de Efraim. Gol contra.