Cofen ingressa no STF e pede fim da suspensão do piso nacional da Enfermagem
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) ingressou na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.222, para pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) o fim da suspensão liminar da Lei 14.434/2022, que cria o piso nacional da Enfermagem. Na petição, o Cofen alega que impacto econômico do piso já foi estimado, que medidas de mitigação orçamentária estão sendo adotadas, que não há risco de demissões em massa e que não cabe ao poder judiciário interferir em decisões políticas amplamente discutidas e estudadas pelos outros poderes.
“O piso da Enfermagem foi aprovado em dois turnos por mais de 97% dos parlamentares e sancionado pelo poder executivo na mesma medida. As alegações de inconstitucionalidade feitas pela CNSaúde não param em pé, já foram todas desmistificadas. Portanto, precisamos restabelecer o direito e colocar o piso nos contracheques dos trabalhadores”, defende a presidente do Cofen, Betânia Santos.
Ao suspender o piso, o ministro Luis Roberto Barroso considerou que seria prudente determinar a suspensão da lei até o momento em que fosse possível uma análise detida a respeito dos possíveis impactos negativos que poderiam surgir com a adoção dos pisos salariais impugnados.
Acontece que tais impactos já foram analisados por ambas as casas do Congresso Nacional antes da aprovação da Lei ora atacada: o valor necessário para o integral cumprimento da lei representaria um acréscimo de apenas 2,02% da massa salarial anual das organizações contratantes.
“Deve-se olhar, isso sim, para os salários aviltantes que são praticados em alguns dos estados da Federação, como na Paraíba. Lá, um técnico de enfermagem recebe apenas R$ 1.163,00 por mês para desempenhar um trabalho absolutamente essencial. O aumento do salário desses trabalhadores não é desproporcional. Desproporcional é o baixíssimo salário que é pago aos profissionais da Enfermagem naquele estado, que vem acompanhado de uma taxa de letalidade dos profissionais de Enfermagem também desproporcional”, assevera o Cofen em sua manifestação ao STF.
Vale lembrar que o Partido Novo requereu a retirada de pauta do piso sob fundamentos extremamente semelhantes aos que subsidiaram a suspensão do piso. Naquela oportunidade, diante de estudos e análises aprofundadas sobre os supostos impactos, o pedido foi rejeitado por 430 votos a 14.
O STF possui jurisprudência consolidada no sentido de que, havendo dissenso hermenêutico razoável a justificar a legitimidade de interpretações constitucionais diversas, o judiciário deve agir com autocontenção para preservar a validade das deliberações do Poder Legislativo, protegendo a presunção de constitucionalidade dos atos normativos – ainda mais quando houve um debate amplo sobre a matéria no Congresso Nacional.
Conforme manifestação da Ministra Rosa Weber, o poder judiciário possui um “dever de respeito” em relação às escolhas políticas adotadas pelos poderes legislativo e executivo. Diante da margem dentro da qual se autoriza que o legislador trabalhe, “não é necessário reconhecer, no texto constitucional, norma autorizativa para toda e qualquer deliberação legislativa”.
Em seu voto divergente na decisão liminar, o Ministro Edson Fachin destacou que “o debate legislativo durou tempo suficiente para o amadurecimento dos impactos que a norma teria na realidade social, principalmente na realidade econômica”.
“O poder judiciário não pode, sob a justificativa de alegada afronta à razoabilidade e à proporcionalidade, reexaminar a decisão do parlamento, sob pena de violação do princípio da separação de Poderes”, alegou o Cofen.
Em parecer técnico, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) destacou a evolução constante da receita corrente líquida dos hospitais. “Tal receita, quando comparada com o impacto orçamentário do piso salarial nacional da Enfermagem, mostra-se plenamente capaz de suportar o impacto da instituição do piso salarial, sem que haja risco iminente de redução de leitos. O Conselho também avaliou que, levando em consideração o investimento público em Saúde já realizado no país, a lei promoveria “baixo impacto” para o setor público, de modo que também não haveria, sob essa ótica, risco de colapso do sistema de saúde”, diz a petição do Cofen.
A instituição do piso é um direito que já é buscado pelos sindicatos, conselhos e federações de Enfermagem há mais de 30 anos, acontece em um momento em que a categoria é nacionalmente aplaudida por sua coragem, determinação e absoluta essencialidade na linha de frente contra a pandemia de COVID-19, que assolou todo o planeta e atingiu em cheio o Brasil.
De acordo com estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente, o excesso de trabalho entre profissionais de Enfermagem aumenta em 40% o risco de morte de pacientes e em até 30% a ocorrência de eventos adversos no hospital. Tendo isso em mente e sabendo que os salários baixos da categoria ocasionam a acumulação de empregos dos profissionais de enfermagem, o estabelecimento de piso salarial é medida que traria impacto extremamente positivo na Saúde pública e privada do Brasil.
Vale ressaltar que, além de longas e emocionalmente exaustivas, as jornadas de trabalho dos profissionais de Enfermagem envolvem elevadíssimos riscos à saúde dos trabalhadores, em especial em um país que sempre foi negligente com a mitigação de riscos à saúde dos profissionais, seja pela falta de equipamentos, pela baixa qualidade destes ou pela ausência de estabelecimento de outras medidas protetivas.
Para que se compreenda a seriedade da situação, basta dizer que, em janeiro de 2021, o Brasil concentrava um terço de todas as mortes de profissionais de enfermagem por COVID-19 no mundo.
“A fixação do piso salarial por lei torna-se crucial para o bom desempenho de determinadas atividades, na medida em que dará melhores condições de trabalho aos profissionais que, percebendo uma remuneração condizente com suas responsabilidades, poderão exercer o ofício em apenas um estabelecimento”, diz a petição do Cofen.
Pesquisas recentes da Fiocruz demonstraram que mais de 70% dos trabalhadores da saúde sofrem com fortes sinais de esgotamento e cansaço devido ao excesso e à sobrecarga de trabalho. A Fiocruz também constatou que os salários desses trabalhadores são demasiadamente baixos, sendo insuficientes para seu sustento e incompatíveis com as recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“A criação do piso salarial que ora se discute, então, ao contrário de provocar demissões em massa, seria capaz de valorizar a profissão e incentivar não só a manutenção dos profissionais da Enfermagem em seus empregos, mas também o ingresso de novos profissionais qualificados e capazes de contribuir para a melhoria da saúde pública e privada do país”, alegou o Cofen.
“O piso nacional da Enfermagem é uma conquista de toda a categoria de profissionais compreendidos nos serviços de Enfermagem, que, enfim, começam a receber o reconhecimento, ainda que tímido, por seu incansável trabalho em defesa da vida e da saúde da população brasileira”, finaliza Betânia Santos.
Fonte: Ascom – Cofen