Reajuste dos salários de deputados federais, senadores e alto escalão do Executivo é imoral e ilegal
Três meses antes das eleições de outubro, a Pesquisa A Cara da Democracia traduziu em números o índice de confiança dos brasileiros nas instituições. Mais da metade dos ouvidos (64%) disseram não confiar ou confiar pouco no Congresso Nacional. Em relação aos partidos políticos, o descrédito nas legendas, somando os que confiam pouco ou não confiam, atingiu 71%. Um cenário que reflete a crise de confiança na política e que, por sua vez, deriva de uma crise de representação. São múltiplas as causas. Para citar algumas: escândalos de corrupção, elitização/burocratização de partidos, criminalização da política.
Parlamentares têm culpa nisso. Muitos priorizam pautas de seus grupos de interesse e legislam em causa própria. Há exemplos aos montes, mas tratemos de um em específico. Na noite da última terça-feira (20), deputados federais aprovaram texto-base de um projeto que reajusta os próprios salários, o dos senadores, presidente, vice-presidente e ministros. O aumento vai de 37% a 50% e iguala a remuneração de todos em R$ 46,3 mil, de forma escalonada, em cinco parcelas, até 2026, equiparando-a aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que puxaram esse movimento e cujo subsídio determina o teto do funcionalismo público.
Não para por aí. Também há propostas de reajustes salariais para o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Procurador Geral da República (PGR). Somados esses aumentos, o impacto nas contas públicas será R$ 2,5 bi. E tudo para ser votado em regime de urgência, incluindo propostas de ajuste salarial do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União. Aqui cabe um parêntese: esse valor é fichinha perto dos R$ 112 bilhões de reajuste do Judiciário brasileiro, um dos mais dispendiosos do mundo e que usa 91% de todo o seu orçamento só para pagamento a folha.
Voltando à Câmara Federal… O PSOL e o Novo disseram não ao reajuste. Foram voto vencido em uma votação simbólica que aconteceu no apagar das luzes, sem registro nominal dos votos. A posposta vai passar pelo Senado até esta sexta-feira (23), quando começa o recesso no Legislativo. A justificativa dos parlamentares é que estão sem reajuste desde 2015. No caso do Supremo, desde 2014, e que a inflação desde então chegou a 59%.
Ter reajuste não é crime, mas turbinar salários a menos de 6 meses do fim do mandato é, sim, porque fere a Lei de Responsabilidade Fiscal em seu artigo 21, inciso II, que não deixa dúvidas: “é nulo de pleno direito (…) o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder”. Trago mais: há entendimento consolidado do próprio STF em torno do assunto em questão: projetos que reajustam salários não podem ser votados logo após eleições porque devem respeitar os princípios da anterioridade e da impessoalidade. Além de ilegal, um reajuste tão generoso para quem já ganha muito em tempos de crise é imoral.
Bom lembrar que Jair Bolsonaro deixou um rombo de R$ 400 bilhões nas contas públicas depois de estourar o orçamento, violar regras e distribuir benesses com fins eleitoreiros. Afirmação que veio do ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. E para garantir o do Bolsa Família no valor de R$ 600, num país de 33,1 milhões de esfomeados (REDE PENSSAN/2022) foi preciso uma queda de braço entre o governo eleito, sua equipe de transição e o Congresso para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC da Transição) que autoriza o pagamento do benefício fora do teto dos gastos para botar comida na boca de quem não tem.
Ao que parece, há uma preocupação seletiva quando o assunto é a saúde fiscal e financeira do país a depender dos contemplados. Com esse movimento, as elites política e das togas faz valer um velho ditado: “Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. Comportamento que reforça a desconfiança das pessoas nas instituições, e as afasta, produz ranço, revolta, ressentimento. Isso não é bom… nem para a democracia, nem pra ninguém. Os últimos anos de degradação política e dos direitos da cidadania que o digam.