Operação Calvário: suspeição de juízes é ferida aberta no Judiciário paraibano
É no mínimo curioso que dez juízes já tenham se declarado suspeitos para julgar ações que envolvem o ex-governador Ricardo Coutinho (PT) na Operação Calvário. Qual o problema, afinal? Antes de seguir com a reflexão é preciso entender uma coisa: o caráter da suspeição é subjetivo.
De acordo com o Art. 135 do Código Penal, ocorre “fundada suspeição de parcialidade do juiz”, quando, entre outras coisas, um dos envolvidos é “amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes”, quando houve aconselhamento a uma das partes ou ainda flagrante interesse “no julgamento da causa em favor de uma das partes”. O juiz ainda pode se declarar suspeito por questões de foro íntimo, e nem precisa expor os motivos. Contudo, sendo este o caso, cabe refletir sobre possíveis vícios no processo por condução política que poderiam levar a tal resultado.
É de conhecimento público a enxurrada de críticas à condução do processo da Calvário pela proximidade da fórmula adotada na Paraíba com a Operação Lava Jato. Em ambas, viu-se, em suas diferentes fases, afastamento de direitos fundamentais – como o desprezo pelo princípio da inocência; supervalorização de delações em detrimento das provas objetivas que devem pautar um processo; vazamento de áudios recortados que, juntos à peça acusatória, induzem a opinião pública à condenação antecipada.
Não entrarei também no mérito da culpa ou da inocência de Ricardo e demais envolvidos no escandaloso desvio de verbas públicas da Saúde e da Educação no estado na gestão do ex-governador. A discussão aqui repousa no esvaziamento dos recursos humanos com competência e disposição para julgar e dar um desfecho ao processo. E não só porque é um processo com muitos investigados em um cenário de pouca mão de obra para dar conta do que foi produzido ao longo das fases da Calvário, mas pela qualidade do material colhido.
Sim, talvez a resposta esteja na ausência de provas suficientes para que juízes tomem decisão baseados em fatos concretos – como determina a lei – e não apenas em convicções e peças soltas. A depender do resultado, seria um desgaste tremendo. E quem arriscaria nome e carreira na magistratura para tutelar acusação sem robusto material probatório que não deixe dúvidas sobre a participação dos acusados nos crimes que lhe são imputados?
A hispótese aqui levantada guarda cumplicidade com uma prática conhecida como lawfare, o uso do direito como arma política, o que não é novidade no Brasil, mas se acentua em processos de desdemocratização ou de pós-democracia, em que a democracia é reduzida à forma e perde em conteúdo. A desvirtuação da Lava Jato foi resultado disso; foi também elemento de aprofundamento da crise da democracia no que criminalizou a política, estimulou a antipolítica e resgatou uma tradição autoritária que se revela no modo de julgar e na influência do poder político e econômico sobre o Judiciário.
O fracasso da Lava Jato, verificado na invalidação dos processos uma vez que o juiz responsável foi considerado parcial, produziu efeitos também na Paraíba. Desmascarada a natureza política da operação e a consequente corrosão dos direitos fundamentais, como replicar o modelo arbitrário sem prejuízo? As suspeições apresentadas até aqui viraram também um calvário para o Judiciário paraibano que até hoje não conseguiu criar uma Vara específica para tratar dos processos relacionados à corrupção, o que daria agilidade aos julgamentos.
A cobrança foi feita nesta quinta-feira (16) pelo juiz Márcio Murilo aos seus pares. Desde a primeira fase da Operação nenhum réu foi julgado. Apesar de prisões “espetaculosas” e delações duvidosas visto que colhidas depois da prisão, o que contraria a natureza do acordo, o caso permanece aberto assim como a resposta para a pergunta iniciar: qual o problema, afinal?