Desalento eleitoral

Uma pesquisa feita pelo Instituto Datafolha entre os dias 13 a 16 de dezembro de 2021 com 3.666 pessoas a partir de 16 anos, de todas as classes e em 191 municípios de todas as regiões do país, revelou que aprovação do trabalho de parlamentares alcançou o patamar mais baixo desde o começo da atual legislatura, iniciada em 2019. O percentual de impressões negativas sobre o trabalho do Congresso Nacional, de ruim ou péssimo foi de 41%, 3% a menos do que o registrados em setembro de 2021. Para 45% é regular, um aumento em relação aos  40% da pesquisa anterior. Apenas 10% dos entrevistados consideraram bom ou ótimo.

Historicamente os índices são baixos e pelos dados disponíveis, tem diminuído. Passado alguns meses da pesquisa, o que mudou desde então? É provável que estes índices permaneçam (as pesquisas de opinião sobre candidatos não captam as abstenções, e o número de votos nulos e em branco, que são sempre maiores nas eleições). Uma leitura possível, considerando as eleições anteriores e os altos índices de abstenções (principalmente), votos em brancos e nulos, é que se o voto não fosse obrigatório, provavelmente os índices seriam bem maiores do que o registrado tanto nas eleições presidenciais, como nas eleições municipais (em 2018 foram mais de 42 milhões no segundo turno e em 2020, muitos prefeitos foram eleitos com menos votos do que o total de votos em brancos, nulos e abstenções).

Segundo, os dados expressam uma rejeição aos candidatos e partidos e se remete à falência ou os problemas continuados do próprio sistema partidário como a baixa identificação dos eleitores com os partidos, diminuição das filiações, um sistema partidário com partidos fracos, sem conteúdos programáticos e ideológicos consistentes, oligarquizados e com baixa credibilidade, que fazem qualquer tipo de alianças – com os procedimentos que se conhecem – para chegarem ao poder (ou aos governos) para usufruir de suas benesses.

Se assim for, a quem cabe a responsabilidade? Certamente aos partidos que entre outros aspectos, não são representativos, aos representantes que os compõem e creio ser possível indicar também a mídia: as constantes denúncias de corrupção na política (às vezes mostradas de forma muito seletiva) contribuem para a desqualificação da política e a ampliação da descrença, que por sua vez abre espaço para aventureiros, que usam demagogicamente o discurso da desqualificação da política não para melhorar a qualidade da representação, mas para com a hipocrisia habitual, se beneficiarem.

Em relação à falta de identificação dos eleitores com os partidos, se não se identificam (apenas uma minoria dos eleitores são filiados aos partidos), como pode se sentir estimulado a votar? Embora alguns especialistas afirmem não existir uma correlação significativa entre identificação partidária e sistema eleitoral(como Christian Klein no livro O desafio da reforma política: consequências dos sistemas eleitorais de listas abertas e fechadas, Editora Mauad, 2007) é possível que o sistema eleitoral adotado no Brasil, o de listas abertas – um dos poucos países do mundo – contribua para isso.

Os que defendem uma mudança no sistema eleitoral (todas as comissões especiais de reforma política no Congresso Nacional desde 1995) criticam o sistema de listas abertas, argumentando que ele individualiza as campanhas, leva à personalização do voto e estimula a competição interna nos partidos e defendem sua substituição pelo sistema de listas fechadas, embora haja também o temor de que isso pode reforçar à oligarquização dos partidos, uma vez que nos estados, as oligarquias ou os “donos” das legendas, que controlam as convenções, vão definir (e definem) quem deve ou não compor a lista partidária. Se assim for, não tem sentido a mudança e daria razão a Klein, para quem uma mudança para a lista fechada “não representaria uma alternativa satisfatória para o sistema político brasileiro” e nesse caso, defende a lista aberta porque “oferece um maior grau de liberdade ao cidadão” e sem precisar instituir o voto distrital, ou seja, mantendo-se o sistema de representação proporcional.

O que mudaria com o voto em listas fechadas (ou preordenadas)? O eleitor daria o voto numa lista partidária e dentro da lista, um segundo voto a um candidato de sua preferência (o eleitor, portanto teria a liberdade de ordenar a lista). Em um dos relatórios sobre reforma política, ao defender esse sistema afirma-se que o objetivo é “buscar qualificar e aperfeiçoar a representação política, convocando o eleitor a dar seu voto a partir de uma perspectiva partidária, considerando que nas democracias contemporâneas os partidos políticos constituem-se em fóruns necessários à adequada mediação entre a sociedade e a representação política. Entendemos ser essa medida indispensável à redução do excessivo personalismo nas campanhas eleitorais, pois tanto os partidos como os candidatos e o próprio eleitorado deverão posicionar-se em relação às questões de cunho programático, debatendo propostas e ideias coletivas que estarão na base do processo de formação das políticas públicas a serem implementadas pelos representantes do povo”.

Outro aspecto que talvez contribua para o descrédito dos partidos é a permissividade de coligações. Da forma como são feitas hoje, distorce a representação: pode-se votar num candidato e eleger outro, de outro partido (que, pouco depois das eleições, não tem qualquer compromisso em se manter na coligação que o elegeu). Assim, com o fim das coligações, só teriam representação os partidos que tivessem votos, ou seja, desempenho eleitoral próprio.

O problema é que o fim das coligações em eleições proporcionais, como ocorreu nas eleições municipais de 2020, não significou, como seria esperado, a diminuição do número de partidos com representação (no caso, nas Câmaras Municipais), nem o fim das chamadas legendas de aluguel e de pequenos partidos, que só conseguiam elegem seus candidatos através de coligações. Nessas eleições muitos conseguiram atingir a quociente eleitoral e elegeram representantes, mantendo a fragmentação partidária (também presentes nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, hoje com 27 partidos com representação).

Os critérios para formação de alianças nunca foram programáticos e/ou ideológicos, mas pragmáticos, com negociações do tempo de rádio e televisão no horário eleitoral, apoios em troca de cargos etc. Por isso é que como não há coerência, adversários de ontem são aliados de hoje e na eleição seguinte podem voltar a ser adversários e assim por diante. E ainda mais: são aliados na eleição majoritária, mas não necessariamente o são na proporcional.

Houve tentativa de mudanças nesse sentido como a chamada verticalização, que vigorou entre fevereiro de 2002 a fevereiro de 2006, que não acabava com as coligações, mas tinha por objetivo dá um mínimo de coerência aos partidos (as alianças para eleições presidenciais teriam de ser seguidas nos estados). No entanto, instituída pelo TSE em 2002, teve seu fim por decisão do Congresso Nacional em 2006.

O fim das coligações em eleições proporcionais e do sistema de financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais (em 2016) não foi suficiente para mudanças substanciais na representação, o mesmo deve ocorrer com a formação de Federações, que tem o mérito de pelo menos manter uma aliança de forma mais duradoura, por pelo menos uma legislatura.

O problema é que o Congresso Nacional, embora tenha constituído ao longo dos anos muitas comissões especiais de reforma política, não conseguiu sequer levar às propostas para votação em plenário. E é compreensível num Congresso no qual todos os parlamentares eleitos o foram em determinado sistema eleitoral (e partidário) e assim dificilmente votarão em mudanças que podem comprometer seus respectivos mandatos, especialmente quanto à reeleição.

O que fazer? A perspectiva é a de manter tudo como está. Na campanha eleitoral para as eleições de 2010, Dilma Rousseff ainda defendeu uma Constituinte Exclusiva que tivesse por objetivo elaborar e aprovar uma ampla reforma política (defendida também por Lula em 2006) e, mesmo com maioria nas duas casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado) não conseguiram sequer levar à votação nos respectivos plenários os relatórios das comissões especiais. E nos caso de Dilma Rousseff depois de eleita, não se referiu mais a Constituinte Exclusiva e assim, o assunto saiu de pauta. E não entrou mais.

Outra possibilidade é um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, tal como apresentado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (ver proposta em www.mcce.org.br). No dia 21 junho de 2020, o ex-presidente Lula gravou uma mensagem em vídeo para defender a reforma política e o engajamento dos militantes do PT para colher assinaturas a favor de um Projeto de Leide Iniciativa Popular. Para ele “A reforma política é cada vez mais necessária e urgente. É um clamor que nasce das ruas, que vem da sociedade. Ela é uma reivindicação geral, mas principalmente dos que lutam contra a injustiça e a desigualdade. Por isso, estamos convocando cada militante do PT a se engajar na campanha de assinaturas da proposta de iniciativa popular pela reforma política”.

Não houve avanços desde então e a perspectiva disso ocorrer em um eventual próximo governo Lula (descartada completamente a possibilidade disso ocorrer em caso de reeleição de Bolsonaro) não será uma tarefa fácil, em decorrência dos compromissos e articulações com setores, dentro e fora do Congresso Nacional, que podem (e devem) inviabilizar qualquer proposta nesse sentido. Lembrando que, mesmo como presidente por dois mandatos, Lula defendeu uma ampla reforma política e não conseguiu fazer mesmo com maioria nas duas casas legislativas e sabe que, se depender apenas do Congresso Nacional, não haverá reforma política alguma sem mobilização popular. A adesão a um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, como ocorreu com a Lei da Ficha Limpa, mostra que a possibilidade existe, mas resta a dúvida de que isso de fato ocorrerá e se não tivermos, será talvez apenas mais do mesmo, contribuindo ou justificando as razões para o desalento eleitoral.