O Banco Central e o show Opinião

Discutindo as decisões do Banco Central (BC) do Brasil sobre a determinação da taxa de juros Selic, taxa que o país paga como remuneração dos seus títulos lançados no mercado para financiamento da dívida pública, o jornalista Reinaldo Azevedo criou um simbolismo muito pertinente: o carcará. Lembramos os anos 60 e a música do João do Vale com este nome, que se tornou conhecida por fazer parte do roteiro do “Show Opinião”, espetáculo teatral de grande sucesso em 1965 de autoria de um grupo de intelectuais entre os quais o nosso Paulo Pontes. O carcará, gavião muito comum no Nordeste, era apresentado como símbolo de combatividade e que, para não morrer de fome, “os borrego que nasce na baixada”, “carcará pega mata e come”. A peça, naquela ocasião, num ambiente de repressão e censura então existente, era uma conclamação à luta, um chamamento que se materializava na figura do carcará que não se rendia, e por isto, “pega, mata e come”. O Tio Rey, inverteu o significado do símbolo aproximando-o do significado real. Para o sertanejo o carcará é um predador que prejudica sua criação ao rapinar e comer os produtos de seu trabalho. É isto que o BC está fazendo em sua marcha contra os interesses do país, mantendo os juros de referência Selic em 13,75% com o que ameaça matar a própria economia. Com efeito, na sua última reunião, como já se esperava, o BC manteve a Selic nos 13,75% em que estava. Esta é a maior taxa do mundo que representa, em termos reais, taxa de juros em torno dos 8%.

Ora, vimos em análises anteriores o que significam, para as atividades econômicas, taxas de jutos elevadas, ao dificultar os investimentos, o financiamento da atividade produtiva e do consumo. Isto, no momento em que o país atravessa um período de dificuldades e tenta articular uma retomada no seu crescimento depois do tsunami da política econômica do desgoverno anterior. Para não falar nas dificuldades de reestruturar o próprio Estado quase destruído pela incompetência e fanatismo de uma matilha de fanáticos que infelizmente ainda ronda por aí a ranger os dentes. 

A intransigência do BC em manter a Selic no atual nível, atitude que temos combatido nesta coluna há vários meses, tem provocado muita polêmica entre os economistas e com a equipe econômica do governo. E o número de vozes condenando a decisão vem aumentando. Agora temos a nosso favor o peso das opiniões de grandes autoridades mundiais. A mais recente condenação veio dos participantes de um seminário no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) promovido por este banco, pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Um dos participantes, o Professor Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia nos EUA, condenou as taxas de juros elevadas afirmando: “O Brasil é punido por taxas de juros altíssimas, por políticas de juros altos do Banco Central, que acho muito difíceis de explicar.” “A situação fiscal do Brasil é totalmente distorcida através de juros extraordinariamente altos.” Acrescentou ainda que “Não é o momento para austeridade fiscal, mas de aumento dos investimentos públicos, …”. O prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz também afirmou: “A taxa de juros de vocês é realmente chocante. Os números de 13,75% (taxa Selic nominal) e 8% (juros reais) são o que vai matar qualquer economia”. A prata de casa também esteve presente no seminário. O economista André Lara Rezende, também participante do seminário, destacou que a combinação de juros e impostos altos é “profundamente recessiva e impede o crescimento da economia”. O próprio presidente da Fiesp, Josué Gomes considerou que a taxa vigente é “pornográfica”. O tom de condenação foi o mesmo de vários outros economistas presentes. 

Diante de tão ilustres condenações as críticas feitas pelo presidente Lula ao presidente do BC tornam-se apenas politicamente simbólicas. Só há uma coisa a reparar nas observações por ele feitas. Não são os livros de economia que estão superados. É a própria teoria econômica que é professada oficialmente e que é ensinada nas escolas de economia. Tal teoria não é científica, mas sim uma crença ideológica. Os diretores do BC, bem como todos os economistas ortodoxos, são os fanáticos propagadores destas teorias. E os jornalistas econômicos e comentaristas, na sua santa ignorância, como papagaios, reproduzem estes e outros tabus, em suas colunas, como se verdades absolutas fossem. Quando lhes é dado o poder para aplicar suas teorias, ao assumir funções de estado, as consequências são as que estamos observando. 

Em relação à diretoria do BC a coisa é ainda pior. A “independência” do BC que foi aprovada no congresso é uma manobra suja para entregar a direção do banco ao setor financeiro. Puseram a raposa para tomar conta do galinheiro. O cientista político Eric Gil Dantas e outros cientistas da UFPR publicaram um estudo “Os mandarins da economia” demonstrando que existe uma “porta giratória” entre o BC e o mercado financeiro. A maioria esmagadora dos diretores do BC são recrutados no setor financeiro e quando eles saem da diretoria voltam para empresas financeiras novamente, recebendo altos salários. A falada “independência” é a dependência do capital financeiro. A situação criada permite o atrevimento da atual direção que se arvora o direito de dar lições ao próprio presidente como se o BC fosse um novo poder da república. Aliás, foi para isto que a atual diretoria, liderada pelo arrogante Roberto Campos, aliás Bob Fields, como seu avô, foi constituída. 

E agora, diante da crise econômica, o “Carcará pega mata e come” a economia e com ela o próprio povo.