O pingente da culpa

Quando nasce uma mulher logo vem uma sequência de atos que nos predestinam à trilha da culpa.

Após o banho nada agradável, fura orelha, põe laço na cabeça, roupinha nada confortável, muitos babados, laçarotes e sapatos (sim, já começa aí!) e o PINGENTE DA CULPA.

Esse último adereço é invisível, mas vai nos acompanhar por toda nossa vida.

Ainda na primeira infância é um tal de “senta direito, menina!” “Cruza as perninhas para a foto!” “Menina não pode ralar o joelho! Vai ficar com cicatriz na perna.” E por aí vai… toda culpa vai sendo depositada gradualmente.

Na adolescência, piora bastante. “Coisa feia uma moça bebendo!” “Tem que ser difícil se não, não vai casar!” “Homem não gosta de mulher que fala alto!” “Deve dizer não, mesmo querendo. Mulher fácil não tem valor!” E segue…

Ufa! Chegamos na vida adulta! Agora pagamos nossas contas e somos donas dos nossos narizes, carros, apartamentos e até nossas samambaias. Só que não!

O pingente da culpa continua pendurado em nossos pescoços como aqueles sininhos nos pescoços das vacas. Movimento errado, badalada!

E seu eu ganhar mais do que meu companheiro? Ele se sentirá inferior! Se eu faltar a apresentação da escola do filho porque estou viajando a trabalho? Vão me achar uma péssima mãe! Um mestrado fora? Não, não. E a família?

Uma viagem! Um pouco mais de vinho e queijos. Quilos a mais! Passa fome para voltar à forma (que não sei quem disse que é a ideal).

Procedimentos estéticos. Fura aqui, sangra acolá. Estica um pouco mais. Não é legal mulher descuidada. Manhã de segunda-feira, cabelos não escovados. Prende. Afinal, não tem como sair com cabelos desalinhados (a badalada do sino. O pingente da culpa).

Come! Vc precisa relaxar um pouco. Não. Não come! Vai se sentir culpada e mais gorda.

Happy hour após o expediente. Vai! Você precisa relaxar! Não. Não vai! Não estará em casa na hora do jantar e isso não é coisa de mulher “direita”. Sem falar no tanto que terá que explicar se justificando por ter chegado um pouco mais tarde. Melhor não. Sucumba a vontade!

Oportunidade profissional incrível e algumas semanas em outro estado (outro país era querer demais)! O dilema é sempre sobre o que vai nos gerar menos culpa. Seguimos arriscando o casamento, o tempo longe com os filhos e todos os comentários de pessoas que nos sorriem e dizem torcer por nós mas que por trás nos acham irresponsáveis, ou desistimos e passamos a vida inteira nos culpando pela perda da oportunidade, idealizando onde poderíamos estar se tivéssemos aceitado ir.

É tudo sobre um duelo de culpas e responsabilidades durante a nossa vida inteira!

E há quem diga que as coisas têm melhorado muito para as mulheres. Na verdade, melhorou um pouco. Longe do ideal! Mas não é por causa do tempo ou mesmo do acaso.

Há muita luta, sangue e gritos para que essa sensação de que as coisas melhoraram permeiem!

O problema é que quando achamos que as coisas estão melhorando tendemos a relaxar, colocando em risco todo o trabalho por trás de cada direito conquistado. As coisas não melhoram sozinhas. É nossa luta diária pelo coletivo que permite, a passos lentos, que as coisas evoluam.

Um brinde às conquistas. Com vinho, 8% de álcool e 92% de culpa!