Pejotização e empobrecimento
A novidade econômica da semana é a aprovação pelo Copom, órgão do Banco Central (BC), da nova Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), taxa de juros paga pelo governo como remuneração dos títulos que emite e que serve da base para todas as demais taxas cobradas pelos agentes econômicos. O Copom elevou a taxa para 13,25%, um aumento de 0,5%. Mais uma vez a decisão foi tomada na tentativa de conter a inflação que continua fora de controle. Este é o remédio recomendado pela bíblia da teoria (ideologia) econômica oficial.
E o Brasil não está só. Pelo mundo, os BCs estão agindo no mesmo sentido. Dos 38 maiores bancos centrais 60% subiram os juros e em 80% dos países do G20 foram introduzidas restrições monetárias, apesar da desaceleração global das economias e das consequências que isto vai provocar. Todos rezam pela mesma cartilha na tentativa de dar uma resposta à explosão da inflação. Para nós, o pior foi a elevação dos juros do Federal Reserve (Fed) banco central dos EUA, de 0,75% para 1,5% a 1,75%. Isto pode contribuir para a saída de capitais à procura de segurança diante da instabilidade da situação local.
Não resta dúvida que a nossa inflação vem atingindo níveis preocupantes. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o indicador oficial da inflação no país, anualizado até maio, atingiu 11,73% e, para a alimentação em domicílio, esta taxa foi de 16,35%.A inflação atinge de forma diferente as pessoas dependendo do nível de renda. Como não faz parte da política do governo, em relação ao salário-mínimo (SM), a preocupação de aumentar ou mesmo repor o poder de compra dos trabalhadores, a situação tem sido desastrosa. Em 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, a cesta abrasmercado, com 35 produtos, calculada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e pelaempresa alemã GfK, custava R$465,57 e o SM R$998,00, representando 46,6% deste. Em abril de 2022, a mesma cesta custava R$758,72e o SM R$1.212,00, ou seja, 62,6% deste. A cesta subiu 67,38% e o SM 21,44%.O poder de compra do trabalhador foi assim reduzido.
Segundo o Procon de São Pulo, em dezembro de 2021, a cesta básica custava R$1.088,00 e o salário-mínimo R$1.100,00. Sobrava R$12,00. Em maio de 2022, a cesta básica passou a R$1.226,12 e o mínimo R$1.212,00 faltando,portanto, R$14,12.Isto significa que com um salário-mínimo não se consegue comprar nem uma cesta básica. Lembremos que em 2019 a cesta custava R$739,07 e o salário era de R$998,00, com uma sobra de R$258,93. Ocorre que 38,22% dos trabalhadores ganham até 1 salário-mínimo, ou seja, 36,4 milhões de pessoas. Além destes, dos 36,5 milhões de pensionistas e aposentados, 24,4 milhões também ganham até 1 mínimo. Temos, portanto, 60,8 milhões de pessoas que dependem de 1 salário-mínimo e tem sua renda corroída pela inflação.
Uma das consequências disto é que 125,2 milhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar dos quais 33,1 milhões passam fome, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), apurado em Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19. Isto representa 58,7% da população. De acordo com o IBGE, a renda média do país caiu 4,3% em 2020 e 6,9% em 2021. De acordo com o Índice de Gini, usado para medir a desigualdade social, esta desigualdade aumentou. A queda dos rendimentos afeta desigualmente as diferentes classes. Para os 5% mais pobresesta queda foi de 33,9%. Para os que estão entre os 10% e 20%, foi de 19,7%. Para o 1% mais rico, a queda foi de apenas 6,4%.
É preciso considerar ainda que dos 96,5 milhões de empregados, 38,7 milhões são informais, ou seja, há grande insegurança pois não têm nenhuma garantia e as remunerações baixas.
Mais a situação é ainda mais grave. Das empresas existentes no país, 70% são pessoas. Das 19,4 milhões de empresas, 13,5 milhões são individuais das quais 11,1 milhões são MEIS. A reforma trabalhista, além de fragilizar os direitos dos trabalhadores, permitiu a terceirização em grande escala e estimulou os trabalhadores a virarem “empresas”, pessoas jurídicas (o fenômeno da “pejotização”). Tudo isto foi potencializado pela crise econômica, agravada pela pandemia e pela guerra na Europa, que multiplicou o número de desempregados e subempregados.
Este grave contexto econômico-social faz com que a situação tenda a se deteriorar. O esmagamento do consumo faz com que os empresários não estejam dispostos a investir. Por outro lado, os estímulos que o setor de serviços teve agora, como resultado da vacinação em massa, o controle do covid-19 e o consequente levantamento das restrições sanitárias impostas, não vão se repetir. Em abril o crescimento dos serviços foi de apenas 0,2%. Com isto, os analistas apresentam um quadro pessimista para os dois próximos trimestres e particularmente para o segundo semestre. Aí está o desespero do governo e a explicação do resultado das pesquisas. Na tentativa de impedir a derrota iminente, vale tudo. E, por via das dúvidas, prepara-se o golpe que pode ser preventivo. Aliás Bolsonaro faz discursos cada vez mais agressivos pregando abertamente uma revolta armada contra aquilo que ele chama de “agentes do mal” e querem acabar com a “nossa liberdade”. Como nada tem a apresentar no campo da economia está deslocando o seu discurso para o campo ideológico. O velho lema fascista “deus, pátria, família” está sendo complementado com o termo “liberdade”, abstrato e difuso, que ninguém sabe o que é. Provavelmente a liberdade de continuar no governo, roubando com sua quadrilha familiar, apoiado pela reacionária burguesia liderada pelo repugnante “veio da havan” e sustentado pelas baionetas de uma corja de generais golpistas que assumem irracionalmente o papel de “capitães do mato”, como nos idos da escravidão.
Para não falar no exército particular que ele continua armando e treinando nas barbas das autoridades de segurança que assistem passivas ao roubo de suas atribuições minadas por dentro das instituições militares pela ação do próprio governo bolsonarista.