Polarização e luta de classes na eleição presidencial de 2022

No Brasil, assim como em todas as democracias, sempre houve polarização. A exceção, claro, foi no período do golpe militar ocorrido entre 1964 e 1985.O conceito de polarização vem da física e corresponde a um fenômeno que ocorre com as ondas eletromagnéticas, nas quais elas são selecionadas e divididas conforme a orientação de sua vibração. Trazendo para a realidade político-social, o termo se refere a diferentes grupos que se opõem a partir de ideias e posições políticas diferentes. Isso é parte do processo democrático de uma sociedade saudável, da capacidade dialética da existência humana dentro do coletivo.

A mídia recentemente começou a enfatizar essa dicotomia “direita versus esquerda” como sendo uma polarização, mas na polarização dentro de uma democracia não há violência e autoritarismo, quando isso ocorre, chamo de fascismo ou mesmo nazifascismo. Não há polarização quando um lado é violento e se utiliza do ódio e de mentiras para avançar e buscar oprimir o outro lado. Onde não há relação dialógica, não há democracia nem polarização. Há opressão, há violência e até chacinas!

Recentemente vimos com preocupação a grande escalada da violência por parte dos apoiadores do presidente da república que, desde a campanha de 2018, falava em “metralhar a petralhada” e fazia gesto com a mão imitando uma arma de fogo. Aliás, esse gesto foi espalhado entre seus eleitores, inclusive dentro das igrejas, entre aqueles que se dizem “cristãos” e publicavam fotografias em suas redes sociais fazendo “arminha”. O diminutivo do termo não diminui em nada o simbolismo agressivo e letal por trás do gesto feito que reverberou inclusive entre crianças e adolescentes. A violência e o ódio nortearam e norteiam seus discursos, sua postura e ecoam entre seus seguidorese fieis eleitores. Muitos dos quais se mantém cegos até hoje, denotando uma completa falta de senso crítico, discernimento político, empatia e, sobretudo, consciência de classe.

Em colunas anteriores falei sobreum cartaz que circulou nos anos 1970 na América do Norte e Europa que dizia: “Classconsciousnessisknowingwichsideofthefenceyou’reon. Class analysis is figuring out who is there whith you”. A tradução do texto é a que segue: A consciência de classe é saber de que lado da cerca você estáA análise de classe é descobrir quem está lá com você.

A ausência da consciência de classe cria uma polarização: um grupo dominante e um grupo dominado. O grupo dominante tenta convencer aos dominados de que não devem lutar e nem se revoltar porque aquele é o seu destino e a partir de mitos criam um ar de conformação social. O grupo dos dominados, convencido pelos dominantes, seguem calados e sem propósito, senão servir aos dominantes, aliás, esse é o propósito de sua existência segundo as elites dominantes: servir ao opressor!A partir dessa premissa é possível inferir que jamais houve interesse das classes dominantes em que nós, meros mortais, tenhamos consciência de quem somos, de que lado do muro estamos e quem está ao nosso lado.

Observando os dadosdas eleições anteriores, desde a abertura democrática de 1985, é perceptível a dicotomia “direita versus esquerda”. A polarizaçãoalternava entre momentos mais tensos e outros com mais folga entre os resultados. Vejamos:

  • 1989 – logo após a abertura democrática e a promulgação da constituição tivemos uma disputa entre Fernando Collor de Mello (53,03) e Luiz Inácio Lula da Silva (46,97);
  • 1994 – Após a renúncia de Collor pelos escândalos de corrupção que ele prometeu combater e o curto período na presidência de Itamar Franco, a disputa foi entre Fernando Henrique Cardoso (66,75%) e Luiz Inácio Lula da Silva (33,25%);
  • 1998 – Após o sucesso do Plano Real estabelecido no governo Fernando Henrique, tivemos nova disputa entre Fernando Henrique Cardoso (62,59%) e Luiz Inácio Lula da Silva (37,41%);
  • 2002 – A disputa seguiu entre direita esquerda e dessa vez o candidato de Fernando Henrique foi José Serra (38,73%), mas venceu o candidato da esquerda (momento histórico!) Luiz Inácio Lula da Silva (61,27%);
  • 2006 – A direita lança Geraldo Alckmin (39,17%) para concorrer com Luiz Inácio Lula da Silva (60,83%);
  • 2010 – Aqui se percebe que a disputa começa a ficar mais acirrada. A esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva lança a candidata Dilma Roussef (56,05%) para concorrer com o candidato da direita José Serra (43,95%); A violência máxima dessa eleição foi uma bolinha de papel arremessada contra José Serra, não se sabe por quem, mas com certeza a mídia utilizou-se do fato para a espetacularização eleitoral em favor do candidato da direita;
  • 2014 – A disputa se acirra ainda mais, certamente pela onda de protestos alavancadas em 2013 por grupos que, somente posteriormente assumiram uma posição à direita, como é o caso do MBL e o Vem Pra Rua. Aqui a candidata à reeleição, Dilma Roussef (51,64%) disputou com o escolhido da direita Aécio Neves (48,36%). O candidato posteriormente começou a questionar o resultado das urnas, chegando a solicitar ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) uma auditoria nos votos, mesmo sem apresentar dados ou fatos concretos, afirmou sua descrença nas urnas eletrônicas. Chegou ainda a contratar auditores independentes para investigar o sistema. Ou seja, a história começou lá trás!
  • 2018 – Após o golpe parlamentar-midiático da então presidenta Dilma Roussef em 2016, assumiu a presidência Michel Temer – do PMDB que ajudou a pavimentar um caminho de ódios e mentiras.Entram aqui as chamadas Fake News, que desembocou no surgimento de espetáculos midiáticos puxados pela conhecida Operação Lava Jato, do parcial ex juiz Sérgio Moro, parte da grande mídia e uma rede chamada de gabinete do ódio, operada pelos filhos do então candidato Jair Bolsonaro, representando a extrema direita – não mais a direita! O candidato agrupou em torno de si simpatizantes da direita e da extrema direita. Dois fatos foram preponderantes para o resultado (trágico) dessa eleição: a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizada pela operação Lava Jato (sem provas, mas com convicção segundo palavras do então procurador DaltanDallagnol), e uma “facada” no candidato Jair Bolsonaro. Com relação a esse último fato, muitos afirmam que foi uma aramação, inclusive a TV 247 produziu um documentário mostrando que a “facada” foi fake, foi uma “Fakeada”. O resultado dessa catástrofe: Jair Bolsonaro com 55,13% e Fernando Haddad, substituto de Luiz Inácio Lula da Silva em virtude de sua prisão, com 44,87%.

O que se pode concluir desse breve histórico de eleições no Brasil é que a dicotomia ou a polarização estava presente desde 1989, a grande diferença é que havia civilidade. Certamente a luta de classes estava ali e a classe trabalhadora sempre foi a oprimida, mas quando a consciência desse grupo começou a se fortalecer, quando os oprimidos e vulnerabilizados começaram a ter voz e ocupar espaços, quando a senzala começou a ler a realidade, aí as elites dominantes precisaram tomar as rédeas e tentou, assim como estão tentando nas eleições atuais (2022), lançar o que o filósofo grego Aristóteles chamaria de caminho do meio: uma “terceira via”, prendendo Luiz Inácio Lula da Silva  para não concorrer com Ciro Gomes, Geraldo Alkmin, Jair Bolsonaro etc.

Com a “facada” no candidato Jair Bolsonaro (que foi espetacularizada), a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, e a terceira via não emplacando, o candidato da extrema direita começou a ganhar espaço, não compareceu aos debates por estar internado e disseminou ampla e maciçamente as chamadas “fake News” nas redes sociais contra o candidato Fernando Haddad. O discurso de ódio tomou conta das redes; as igrejas evangélicas fundamentalistas compraram o discurso do “messias” e também cuspiam seu ódio contra a esquerda, imitando arma com uma mão e ostentando a bíblia com a outra, e com o aval de “pastores” milionários como Edir Macedo e Silas Malafaia.  Esse cenário não poderia resultar senão em uma guerra civil, e para isso Jair Bolsonaro armou seus “cidadãos de bem”, inclusive pastores, ministros e pastores-ministros.

Chegada à nova eleição vemos que temos uma bomba prestes a explodir. Agressões e assassinatos permeiam o cenário que se acirra cada vez mais de um lado só! Eles estão armados e são tão violentos quanto seu líder que brada ferozmente “Deus acima de tudo”!  Importante dizer que apesar do conceito de Deus ser referente a algo superior a nossa compreensão e humanidade, o Deus Cristão que ele diz seguir é o oposto do que ele prega! Mas nós temos uma opção, e a escolha não é difícil: é Brasil livre e plural ou Brasil colônia; é civilização ou barbárie; amor ou ódio; livros ou armas; democracia ou autoritarismo;fartura ou fome;ciência ou negacionismo; vida ou morte; paz ou guerra! Não gosto da ideia do maniqueísmo que eles utilizam, mas a bem da verdade, esse momento é o bem contra o mal. O cenário dantesco é de um país que naturalizou mortes, fome, violência, inflação alta, desemprego e miséria.Mas nós podemos mudá-lo e fazermos o Brasil feliz de novo!

Não estamos em uma normalidade democrática, nela haveria a dicotomia própria da dialética sócio-política e os divergentes dialogariam por não serem inimigos, mas opositores. O que estamos presenciando é uma ferrenha luta de classes, na qual, infelizmente, muitos estão perdidos e do lado errado do muro, exatamente por não conseguir se enxergar no mundo.

Temos, de um lado, um grupo armado, violento e agressivo que quer “metralhar a petralhada”.Do outro a lado há a resistência que não se curva e dialoga com os divergentes formando uma grande aliança para salvar o que resta dos princípios democráticos e do Brasil. É hora de derrotar o nazifascismo, de sabermos de que lado do muro estamos e quem está lá do nosso lado. Vote com consciência, com empatia e com humanidade. Essa é nossa chance de mudar o Brasil, de voltarmos a normalidade democrática e de sonharmos com um pais de equidade, pluralidade, respeito às diferenças e dignidade para todas as pessoas. É hora de retomar a civilidade e reconstruir o país.

 

Referências:

Atlas das Eleições Presidenciais no Brasil. Disponível em: https://sites.google.com/site/atlaseleicoespresidenciais/2010

Imagem: Tela-mural “Manifestación” (1934), do pintor argentino Antonio Berni.