Às vésperas do carnaval, a folia das armas e munições. Bolsonaro amplia decretos federais
Prioridades. Jair Bolsonaro deu mais uma prova de quais são as suas. Atualizou quatro decretos que facilitam o acesso e aumentam o limite para compra de armas e munições no Brasil. Um deles permite que atiradores possam adquirir livremente, sem qualquer freio ou controle, até 60 armas; caçadores, 30. Eles também podem comprar até duas mil munições para armas de uso restrito e cinco mil para aquelas de uso permitido.
O governo federal diz que a ideia é desburocratizar o acesso. Mais um tiro errado apenas dois meses depois de um outro decreto que zerou impostos para quem quisesse importar armas. À época o Blog tratou do assunto que causou grande repercussão por questões óbvias: o país entrava em 2021 com mais de mil mortes por Covid-19 registradas diariamente, e a crise econômica ceifava também milhões de empregos. O decreto do presidente traria perda de receita. Não havia explicação senão a de agradar unicamente a uma ala muita restrita de seu eleitorado. É essa a lógica de Bolsonaro.
Agora, às vésperas do carnaval, uma folia que só se explica pela necropolítica que caracteriza o governo Bolsonaro. Política de morte escancarada pela inação e ineficiência no combate à pandemia, pela politização da vacina, pela retenção de milhões de testes que perderam o prazo de validade, pelo asfixiamento de doentes por falta de respiradores. O governo tem culpado Estados e governadores. Transferência de responsabilidade é também inversão da narrativa. Criar fatos alternativos tem se mostrado grande estratégia de propaganda política em um país que abraçou a desinformação e que comprou a ideia de que se armar é remédio contra a violência.
O Instituto Sou da Paz, lançado em 1997, se manifestou sobre os decretos que flexibilizam ainda mais porte, posse de armas e compra de municação. Em nota, escreveu:
“O Instituto Sou da Paz expressa indignação com os novos decretos que facilitam o acesso a armas de fogo. Novamente, o Governo Federal expressa seu desprezo pela ciência e sua falta de aptidão em dar respostas qualificadas aos maiores desafios do Brasil. Com esses decretos, já são mais de 30 atos normativos publicados nos dois últimos anos que levaram ao aumento recorde de armas em circulação no ano passado – contrariando todos os cientistas que dizem que mais armas em circulação no Brasil nos levarão a uma tragédia em perda de vidas e deterioração democrática. Dados preliminares de 2020 já indicam que houve um aumento nos homicídios mesmo em ano de intenso isolamento social. Este governo parece ter conseguido reverter a pequena queda que tivemos a partir de 2018 e conquistada a muito trabalho.”
O Sou da Paz tenta ainda derrubar a tarifa zero para importação de armas. Junto com a Rede Liberdade, que atua, desde 2010, contra a violação de direitos e garantias fundamentais, entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para ingressar como amicus curiae, ou amigo da corte, em uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 772, movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). O objetivo é “auxiliar o tribunal, oferecendo esclarecimentos, informações e dados técnicos sobre questões essenciais ao processo”.
É uma luta atrás da outra, sem trégua. Levantamento do G1 a partir de dados oficiais mostram que o número de assassinatos registrados no Brasil passou de 41.730 em 2019 para 43.892. Alta de 5%. O Nordeste puxou o aumento. Na região que vinha sendo responsável pela queda de mortes violentas no país nos dois anos anteriores, o crescimento foi de 20%. Retrocesso que sengundo especialistas se deu em função do aumento de armas em circulação.
Com a conivência de muitos e a omissão de tantos outros, Bolsonaro segue cumprindo sua agenda. Não é nacionalista. Não é neoliberal – essa é de a agenda de Paulo Guedes. É diminuta como ele, baseada no conflito, na tensão, na violência, no melindre e no autoristarismo. E seguimos nós, do lado de cá, reféns do medo, de um país em colapso; “um país que é doente e não se cura, que do poço fatal chegou ao fundo sem saber emergir da noite escura”.