Sérgio Moro: Suspeito
Não há ação sem reação. A terceira lei de Newton não falha e a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a suspeição de Sérgio Moro prova, de forma cabal, que a teoria se confirma na prática. Por 3 votos a 2, o habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula (PT) foi considerado remédio legítimo e Moro posto no lugar de juiz parcial no caso do Triplex do Guarujá.
A parcialidade do ex-juiz pode ser reconhecida agora pelos ministros da Suprema Corte, mas sempre foi translúcida para os que enxergam o direito como caminho e meio para a proteção das garantias individuais e coletivas sem a fulanização que contamina o processo legal. Mesmo antes da Vaza Jato que denunciou o conluio entre o julgador e acusador e a caçada ao petista, Moro já mostrava que sua intenção não era combater a corrupção apesar de sustentar suas ações nessa narrativa. Moro queria tirar Lula da campanha eleitoral de 2018. Seu intento se confirmou, primeiro com a prisão do ex-presidente (prisão ratificada pelo Tribunal Federal da 4ª região), depois com o carimbo de seu passaporte como Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes, Moro fez da justiça de Curitiba um “tribunal de exceção” onde o estado democrático de direito foi tolhido e apunhalado de morte.
O presidente da 2ª Turma fez questão de lembrar que sua decisão foi baseada nas provas dos autos. Para ele, as sentenças de Moro só poderiam ter legitimidade de acordo com o “código do processo penal da Rússia soviética” – uma alusão ao regime totalitário stalinista. Ele se referia à manipulação do processo e, mais especificamente, à interceptação telefônica dos advogados de Lula, e à divulgação seletiva dos áudios entre a ex-presidente Dilma e Lula quando este foi convidado para assumir um Ministério. Perguntou Gilmar: “alguém pode mostrar onde isso tem a ver com o devido processo legal?”. Contrariado com o voto de Nunes Marques, que absolveu a conduta de Moro, Gilmar disse mais: habeas corpus cabem, sim, em caso de suspeição. Ele alfinetou: “quem já estudou alguma coisa de habeas corpus sabe disso”. E completou: “não há salvação para o juiz covarde”.
Mas foi a ministra Carmem Lúcia que virou o jogo quando mudou de voto pela compreensão de que “todo mundo tem direito a um julgamento justo, com um juiz imparcial e um tribunal independente”. Carmem Lúcia considerou os argumentos de Gilmar Mendes e fundamentou sua decisão também com base na condução coercitiva de Lula sem que ele tivesse sido chamado antes para prestar depoimento e no levantamento do sigilo da delação premiada do Antônio Palocci dias antes da eleição de 2018.
A suspeição de Sérgio Moro anula todas as provas do caso do Triplex e zera o jogo a favor de Lula. Ora, se o juiz é suspeito, entendeu a maioria da 2ª Turma que as provas validadas por ele estão viciadas. Por simetria, a suspeição pode se aplicar também para os demais processos da Lava Jato. Mas já agora não há mais impedimentos. Lula, que já estava elegível em razão da anulação das condenações de Moro por parte de Edson Fachin, ganha força e fôlego para a disputa presidencial de 2022.
Pego emprestada aqui as palavras de Pedro Cardoso. Escreveu ele: “Lula é inocente de tudo o que o acusam? Não sei. Não tenho como saber. Só sei que culpado ele não é porque não foi condenado ainda em um processo justo”. Esse é o ponto. Uma pessoa não pode ser condenada só porque achamos que é culpada. Todo e qualquer investigado e/ou acusado da prática de crime tem que ter direito ao contraditório, a ampla defesa e ao devido processo legal. Sustentei esse entendimento em 2017, 2018, 2019, 2020 e o reafirmo agora, dessa vez, devidamente suportada pela decisão da 2ª Turma do Supremo. Análise à luz do Direito e da Constituição Federal.
A promiscuidade entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato foi tardiamente reconhecida. Gilmar Mendes admitiu: “não importa o resultado deste julgamento, a desmoralização da justiça já ocorreu”, disse ele. Isso porque Lula passou 580 dias na prisão condenado em primeira instância por um juiz sabidamente suspeito, e em segunda instância por um Tribunal que não avaliou o mérito das provas, apenas convalidou a decisão de Moro e aumentou a pena de Lula. É justiça tardia, o que, segundo Rui Barbosa, é injustiça institucionalizada. Mas antes tarde que nunca.
Se este apêndice na história de Lula, do Judiciário e da democracia brasileira vão ser reparados ainda, o futuro dirá. Por hora, um mal foi sanado: a máscara do juiz imparcial e honesto caiu. A Moro resta a pilha de compostagem da história.