Opinião

Zero Carbono. Salvador e João Pessoa na contramão da política ambiental brasileira

O desequilíbrio ecológico, as variações climáticas, os riscos ao ecossistema e a necessidade de redução da emissão de gases poluentes têm motivado discussões em esfera global. O tema reuniu líderes de mais de 20 países na Cúpula sobre o Clima na última semana – uma preparação para a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-26, prevista para novembro, na Escócia. Entre os participantes, aqueles que mais poluem, os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas e os que adotam medidas voltadas para a preservação do meio ambiente.

O Brasil está no primeiro grupo: é o sexto do mundo em emissão de carbono. No encontro, adotou a verborragia de costume: discurso inteiramente desconectado com a prática de descaso adotada no governo. Não à toa o presidente assumiu compromissos que foram recebidos com cautela e descrédito pela comunidade internacional. Basta dizer que além do afrouxamento da proteção ambiental, Jair Bolsonaro cortou, semana passada, quase R$ 240 milhões do Ministério do Meio Ambiente previstos no Orçamento 2021.

Enquanto o Brasil anda para trás na pauta ambiental, experiências localizadas têm chamado atenção por adotar sentido oposto. Algumas capitais do Nordeste já se anteciparam e se comprometeram a zerar a emissão de carbono até 2050. É o caso de Salvador e de João Pessoa. Na capital baiana, a preparação começou ainda em 2013. Ali nascia a ideia do Plano de Ação Climática (PAC). Muito se discutiu, estudos foram feitos, metas estabelecidas em um trabalho que envolveu todas as secretarias e a população. O PAC foi entregue no fim de 2020 e todas ações previstas já podem ser executadas.

A experiência de Salvador tem sido parâmetro para João Pessoa. Aqui, um Plano de Descarbonização já está previsto no Programa João Pessoa Sustentável. Desenvolvido pela Prefeitura e orçado em U$ 200 milhões de dólares, dos quais metade é financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa envolve outros eixos e tem uma pegada ambiental que inclui tratamento do Rio Jaguaribe e um Plano de Riscos e Desastres com monitoramento constante de áreas críticas.

Como não é receita de bolo e cada cidade tem uma realidade diferente, para chegar no que se pretende há um longo caminho que já começou com a abertura de licitação. Oito empresas estão participando do processo, cinco delas são brasileiras; duas, espanholas, e uma portuguesa. Nesta terça-feira (27) vai ser realizada a sessão de abertura das propostas. A vencedora terá que desenvolver um Plano de Descarbonização que traga Análise de Riscos Climáticos e Pegada Carbônica. Uma vai fazer projeções para 2030, 2050 e 2100 das ilhas de calor, deslizamentos, inundações, aumento do nível do mar e surtos de doenças no município. A outra vai fazer uma medição histórica dos efeitos do gás carbônico na atmosfera em uma década, de 2009 a 2019.

Levantamento do Observatório do Clima mostra que João Pessoa está hoje entre as mil cidades que mais emitem carbono no Brasil. Com o Plano de Descarbonização, vai ser possível identificar quais bairros de João Pessoa são mais ou menos afetados pelas mudanças climáticas, os níveis de emissão de CO2 por indivíduo, e até quanto se usa e como se usa água em João Pessoa. O diagnóstico vai permitir a adoção de ações de prevenção, tratamento e/ou enfrentamento sob medida dos problemas relacionados ao clima, portanto, mais efetivas e eficazes. É um caminho que certamente terá repercussões na descarbonização da economia, na geração de empregos, na melhoria de indicadores socioeconômicos e, consequentemente,  no bem-estar da população.

A previsão para a elaboração do Plano é de 18 meses após a autorização da Ordem de Serviço, prevista para 30 de maio. Significa que até o fim de 2022, João Pessoa terá um roteiro capaz de orientar medidas de adaptação às alterações climáticas e aos seus efeitos e que reduzam, chegando a zerar a longo prazo, as emissões de gases poluentes. O próximo passo vai ser executá-lo. Não é tarefa fácil, ainda por cima em plena pandemia da covid-19 e frente às outras demandas da administração. E não há volta, pelo menos não para uma cidade que se pretende sustentável e inteligente. O tempo  não espera. Está posto o desafio.