Voto eletrônico é seguro e auditável, concluiu TCU
Via Congresso em foco
Relatório técnico de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o sistema eletrônico de votação, adotado no Brasil há mais de duas décadas, concluiu que ele é confiável, seguro e perfeitamente auditável. O documento, ao qual o Congresso em Foco teve acesso, descreve em detalhes dezenas de procedimentos operacionais que garantem a integridade do processo.
O relatório espelha o entendimento da área técnica do TCU sobre o assunto e servirá de base para o voto do ministro Bruno Dantas, relator do processo 014.328/2021-6, que avalia a confiabilidade do voto eletrônico no país. O tema está na pauta da quarta-feira (11) do plenário do TCU, que reúne os nove ministros do tribunal. Espera-se que o ministro relator acompanhe o parecer dos técnicos.
Para tentar provar que o voto eletrônico possibilita fraudar as eleições, Bolsonaro e o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) vazaram na última quinta-feira (5) o Inquérito 1065955-77.2020.4.01.3400, que tramita em segredo de justiça na 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal. Por causa disso, o TSE enviou na segunda (9), ao Supremo, pedido de abertura de investigação criminal contra os dois políticos.
Veja a íntegra do relatório de auditoria do TCU:
Chamou atenção dos técnicos do TCU o fato de pesquisa feita em julho deste ano, por encomenda da Confederação Nacional do Transporte (CNT), ter indicado que 34,5% dos brasileiros duvidam da confiabilidade das urnas eletrônicas. “O fato se torna significativo pois esse terço da população ainda tem baixa (15,8%) ou nenhuma (18,7%) confiança, apesar da realização de doze pleitos eleitorais (de 1998 a 2020) com uso intenso das urnas eletrônicas sem que haja denúncias consistentes de fraude”, afirma o documento, que em sua parte principal possui 39 páginas (excluindo anexos).
“Tal fato” – continuam os técnicos – “pode ser imputado à complexidade tecnológica do sistema de votação que ainda deixa parte da população desconfiada. Por outro lado, é de conhecimento público que existem movimentos que manifestam desconfiança no processo eleitoral, questionando a confiabilidade do sistema brasileiro de votação eletrônica, especialmente em razão da ausência de um mecanismo de validação/auditagem do voto pelo próprio eleitor no momento da escolha dos seus candidatos. A solução, na ótica desses movimentos, seria a implementação do voto impresso, auditável e conferível pelo eleitor, em meio físico, antes da sua confirmação. Esse mecanismo possibilitaria, ainda, a conferência dos votos impressos, depositados em urnas indevassáveis, com os votos registrados na urna eletrônica”.
Segundo o relatório, é uma visão errada: “O sistema atual de votação eletrônica foi implementado a partir da identificação de vulnerabilidades históricas que maculavam os resultados das eleições, especialmente em razão das intervenções humanas nas diferentes etapas do processo eleitoral, desde a votação, com voto em papel depositado na urna pelo próprio eleitor, até a apuração e totalização dos votos. Houve um inegável avanço nos quesitos segurança e confiabilidade das eleições a partir da implementação da votação eletrônica, que minimizou riscos da intervenção humana”.
De acordo com o relatório, “existem mecanismos de auditagem em todo o processo de votação, desde a etapa do desenvolvimento dos sistemas, passando pela realização de testes públicos de segurança, teste de integridade (votação paralela), até a totalização e a divulgação do resultado, contemplando medidas de verificação mesmo após a conclusão do processo eleitoral”. Além de descrever em minúcias cada um desses mecanismos, o relatório de auditoria lembra que o TSE permite expressamente que várias organizações fiscalizem todos os procedimentos relacionados com a votação eletrônica, em qualquer etapa do processo, incluindo a fase de desenvolvimento dos sistemas de informação.
Essas entidades fiscalizadores incluem partidos políticos e coligações, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal, a Sociedade Brasileira de Computação, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, as Forças Armadas, os departamentos de tecnologia de universidades credenciadas junto ao TSE e “entidades privadas brasileiras, sem fins lucrativos, com notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública, credenciadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral”. Para completar, a Justiça Eleitoral contrata empresa especializada em auditoria para fiscalizar o funcionamento das urnas eletrônicas, conforme determina o artigo 63 da Resolução TSE 23.603/2019.
Ressalta ainda o relatório do TCU: “Por fim, após as eleições, as entidades fiscalizadoras podem solicitar aos tribunais eleitorais os arquivos de log do Gerenciador de Dados, Aplicativos e Interface com a Urna Eletrônica (GEDAI-UE); e os arquivos de dados alimentadores do Sistema de Gerenciamento da Totalização, referentes a candidatos, partidos políticos, coligações, municípios, zonas e seções; arquivos de log do Transportador, do Receptor de Arquivos de Urna e do banco de dados da totalização; arquivos de imagens dos boletins de urna; arquivos de Registro Digital do Voto (RDV); arquivos de log das urnas; relatório de boletins de urna que estiveram em pendência, sua motivação e respectiva decisão; relatório de urnas substituídas; arquivos de dados de votação por seção; e relatório com dados sobre o comparecimento e a abstenção em cada seção eleitoral. Esses arquivos e documentos possibilitam a realização de uma contagem paralela dos votos para posterior comparação com os resultados divulgados pelo TSE.” (grifo do documento original)
Um procedimento de segurança que, acrescenta o documento, “pode ser acompanhado pelo próprio eleitor, além de quaisquer outros interessados”: “Ela ocorre na véspera da eleição, em audiência pública, onde as urnas sorteadas são submetidas à votação, nas mesmas condições em que ocorreria na seção eleitoral, mas com o registro, em paralelo, dos votos que são registrados na urna eletrônica. Cada voto é registrado numa cédula de papel e, em seguida, replicado na urna eletrônica. Ao final do dia, no mesmo horário em que se encerra a votação, são feitas a apuração das cédulas de papel e a comparação do resultado com o boletim da urna. Toda essa cerimônia é gravada em vídeo e acompanhada por empresa de auditoria contratada para essa finalidade específica”. Outra possibilidade de dupla conferência, ao alcance de qualquer pessoa, é o boletim de urna (BU). Afixado em cada seção eleitoral, ela traz os resultados da votação registrada em cada urna eletrônica.
Lembra ainda o relatório de auditoria que não pode haver “ataques externos à urna eletrônica, uma vez que o equipamento funciona de forma isolada, ou seja, não apresenta nenhum mecanismo que possibilite sua conexão a redes de computadores, como a Internet”.
Mas os auditores também reconhecem que a Justiça Eleitoral poderia atuar melhor na difusão dos mecanismos que asseguram a confiabilidade do voto eletrônico no Brasil: “A complexidade tecnológica inerente à votação eletrônica, para permitir auditabilidade e segurança do voto, e a ausência de uma política de informação mais abrangente geram desconfiança em parte do eleitorado, oportunizando o surgimento de notícias não condizentes com a realidade e a elaboração de propostas de alterações legislativas, com impacto no processo eleitoral como um todo”.
Quanto à PEC do Voto Impresso, o relatório observa que ela depende de “decisão soberana” do Congresso. Sustenta, no entanto, que a proposição eleva em R$ 2 bilhões o custo de realização das eleições sem trazer benefícios nos quesitos segurança, auditabilidade e confiabilidade.
A proposta transforma a urna eletrônica em mera impressora dos votos, restabelecendo a apuração dos votos em papel, a ser feita por cerca de 1,8 milhão de mesários, que atuam nas mais de 500 mil seções eleitorais do país: “Causa apreensão a proposta do substitutivo, pois mostra um evidente retrocesso, quando disciplina que o sistema de votação passaria a priorizar o voto impresso, em detrimento do voto eletrônico, e voltaria o sistema de contagem manual de votos em cada seção eleitoral. (…) A aprovação do substitutivo, na forma proposta, provocaria uma revolução do atual sistema de votação, alterando drasticamente o paradigma defendido atualmente (menos intervenção humana com mais automatização do processo, que tem demonstrado rapidez nos resultados, segurança nas informações, inexistência de fraudes comprovadas e menores custos de registro, contabilização e totalização de votos) para um sistema com maior intervenção humana (mais oneroso, mais moroso e com mais riscos de fraudes), como acontecia antes da adoção da urna eletrônica”.
Basicamente, a auditoria conclui que a proposta, apesar de “viável do ponto de vista tecnológico”, traz várias desvantagens. Demanda “um tempo razoável para implementação com segurança”; “não é conveniente e, provavelmente, é impossível de ser implementada integralmente num único ciclo eleitoral”; “exige recursos humanos e financeiros hoje não disponíveis na Justiça Eleitoral”; “traz riscos inerentes à sua implantação que poderão impactar negativamente a dinâmica da votação e da apuração as eleições de 2022”; “reintroduz riscos inerentes à intervenção humana na dinâmica de votação e de apuração dos votos que aumenta a insegurança do processo eleitoral”; e “aumenta o risco de quebra do sigilo do voto”.
Os técnicos propõem a divulgação do relatório de auditoria – já que “as informações consolidadas neste trabalho são de interesse não apenas do controle externo, mas também da sociedade brasileira” – e as seguintes outras medidas: envio da auditoria às mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado, assim como à comissão especial criada pela Câmara para analisar a PEC 135/2019; o aprimoramento de uma “política contínua de comunicação e informação à sociedade acerca dos mecanismos de auditabilidade, transparência e segurança da sistemática brasileira de votação, com o objetivo de estimular maior participação popular e elevar o nível de conhecimento e confiança no processo eleitoral”; mais visibilidade à chamada “votação paralela”; o estímulo a uma maior participação das organizações credenciadas na fiscalização das eleições; e o retorno do processo para dar continuidade à auditoria.
Concluído em 30 de julho, o relatório foi entregue ao ministro Bruno Dantas antes do vazamento do inquérito em tramitação na 12ª Vara Criminal do Distrito Federal. É possível, assim, que o assunto seja incluído nas próximas fases do trabalho.
Segue a nota divulgada pelo TSE sobre o fato:
“NOTA À IMPRENSA
Em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno, ocorrido em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral esclarece que:
- O episódio de 2018 foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova.
- O acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu.
- Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado.
- Cabe reiterar que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração. Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições.
- O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude.
- De 2018 para cá, o cenário mundial de cybersegurança se alterou, sendo que novos cuidados e camadas de proteção foram introduzidos para aumentar a segurança de todos os sistemas informatizados.
- Por fim, e mais importante que tudo, o TSE informa que os sistemas usados nas Eleições de 2018 estão disponíveis na sala-cofre para os interessados, que podem analisar tanto o código-fonte quanto os sistemas lacrados e constatar que tudo transcorreu com precisão e lisura.”