Opinião

Brasil: um país em recessão democrática desde o golpe de 2016

A democracia se fortalece quando a política é valorizada e quando esta tem relevância na vida das pessoas. Ao contrário, quando o papel construtivo da política é diluído, um processo de desgaste democrático se forma. O Relatório Global do Estado da Democracia 2021 – Construindo resiliência em uma era pandêmica, divulgado na segunda-feira (22) pelo Instituto IDEA, traz um retrato disso: há uma recessão democrática no mundo e isso inclui o Brasil que experimenta declínio em sua democracia desde 2016 com o impeachment sem crime de Dilma Rousseff.

As causas apontadas pelo estudo que cita o presidente Jair Bolsonaro passam pelas ameaças às instituições democráticas e protestos antidemocráticos, escândalos de corrupção e gestão da pandemia. Diz o relatório: “A gestão da pandemia foi tomada por escândalos de corrupção e protestos, enquanto o presidente Jair Bolsonaro menosprezava a crise sanitária”. Em outro trecho afirma o documento que Bolsonaro “testou abertamente as instituições democráticas” quando questionou a lisura das eleições e afirmou que não respeitaria mais decisões do Supremo Federal Tribunal (STF).

Qual seria o caminho para a restituição democrática? O relatório traz as respostas: a) um novo contrato social que projete instituições “responsivas, inclusivas, responsáveis e transparentes orientadas para alcançar o desenvolvimento sustentável”; b) reconstruir as instituições “atualizando práticas em democracias estabelecidas, construindo capacidade democrática em novas democracias e protegendo a integridade eleitoral, as liberdades e direitos fundamentais e os controles e equilíbrios essenciais para sistemas democráticos prósperos”; c) investir na educação “combatendo a desinformação e apoiando a mídia livre e independente que facilita o crescimento das culturas, valores e práticas democráticas”.

Não é nada tão simples. Nem tão novo. Em 2004, outro relatório, este sobre a Democracia na América Latina elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), já apontava para o avanço do autoritarismo. O remédio prescrito na época: “as soluções para os problemas e desafios da democracia teriam que ser encontradas dentro e não fora das instituições democráticas”, por meio da política de qualidade, participativa e cidadã, capaz de combater desigualdades, pobreza e exclusão, permitindo também aos pobres, às minorias étnicas e sociais o poder político que lhes tem sido negado até hoje. Essa lacuna sedimentou a perda de confiança no sistema, trouxe medo, revolta e busca por saídas radicalizadas manifestas na regressão democrática que volta a ser constatada nos dias atuais.

É bem verdade que não há um tipo apenas de democracia ideal. O modelo é tão diverso e plural quanto as sociedades e suas demandas. É o que Boaventura de Sousa Santos, um dos maiores estudiosos do assunto no mundo, chama de demodiversidade. Uma democracia forte, contudo, não pode se resumir a eleições livres e ao exercício do voto. Erra quem pensa que apenas esse aspecto a torna invulnerável. Democracia sólida precisa de um Estado forte – não se confunda com Estado inchado -, que vá além da democracia eleitoral e que seja capaz de garantir  universalidade e promoção dos direitos a partir de uma economia sustentável, que amplie as opções das pessoas. “A economia é a chave porque dela depende a ampliação da cidadania social”, diz a PNUD.

A demonização do Estado e seu apedrejamento não ajudam na reparação dos danos. O antídoto para recuperação democrática passa longe de um Estado anêmico que desamparare sua população, especialmente as mais vulneráveis. Só a Política é capaz de corrigir a rota porque ela é a base da democracia. Recuperar seu valor é urgente e, pra isso, ela responder objetiva e efeticamente às demandas da cidadania.