Opinião

Em nome dos próprios interesses – Eles não são donos da cidade, mas agem como se fossem

Na última quinta-feira (12) uma professora, a Rosana Leão, foi impedida de entrar na biblioteca pública de Mãe d’Água, a 340 km de João Pessoa.  Ela não estava só. Rosana coordena a Festa Literária da cidade (FLIMA) e queria proporcionar aos pequenos leitores uma experiência literária pelo acervo local. Justo. Funcionários da biblioteca, no entanto, alegaram que a professora, para usar a biblioteca pública, precisava de autorização do município. Em nota, a prefeitura disse que apoia projetos de leitura, mas que eventos na biblioteca precisam ser comunicados com antecedência à secretaria de cultura.

É tão certo que prédio público não é ‘casa de mãe Joana’ quanto que a visita da professora e dos alunos à biblioteca pública não era um evento que demandava tamanha cerimônia. O segundo encontro da turma foi barrado pela burocracia que paralisa a eficiência de qualquer gestão sob o comando de Francisco Cirino da Silva (Republicanos). Rosana trouxe um ponto que merece atenção e que evidencia o caráter político da medida arbitrária:  “só porque eu não sou da ala do prefeito fui barrada com onze crianças”, disse ela.

Outro caso de arbitrariedade, também no sertão paraibano. Em Princesa Isabel, a 420 km da capital, o prefeito Polêmica Ricardo Pereira (Cidadania) proibiu a realização de uma festa na principal praça da cidade. Em um áudio  gravado no último sábado (14) ele revela, indiretamente, que a decisão tem sua raiz em diferenças políticas com o grupo dos Moura, que realiza o evento: “enquanto eu estiver prefeito, nem Nascimento, nem Pereira, nem Diniz e nem os Moura farão nenhum evento na Praça Natália do Espírito Santo, que é a praça da Estrela. Jamais este governo autorizará qualquer grupo político a realizar qualquer festa aonde somente o município realiza festa”, afirmou o gestor.

Embora reconheça que o evento é uma tradição da cidade e movimentará a economia local,  nao houve acordo do prefeito com organizadores. Em nome dos próprios interesses, ele ignorou lei federal que sobre o direito fundamental de reunião e uso de espaço público. Diz o Artigo 5º da Constituição, inciso XVI, que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

Este caso e o outro, o de Mãe a’Água, são mais que mera extravagância e/ou intransigência. A insistência de políticos em submeter o interesse público a suas justificativas privadas é uma forma de violência. Cito o sociólogo espanhol Manuel Castells. Em seu livro A Ruptura (2018) ele afirma que “A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar. Forma-se uma classe política, que, com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio”. É caso de  política miúda, que caminha na contramão de um estado democrático. É a política do conflito, antiética, alheia ao espírito republicano e dissonante da função pública. É a política ruim, autoritária e retrógrada. Há remédios para isso. Um deles está na judicialização para fazer cessar a arbitrariedade. Uma vez que não houve a prevenção e um autoritário chegou ao poder, é preciso vigilância da população. Vigilância,  participação e contestação.  Não se muda o estado das coisas se isentando delas. O controle deve ser exercido não só pelas instituições, mas pelas pessoas. A praça – e a biblioteca – é pública. E é do povo!