Opinião

Sem anistia

Por Luis Felipe Miguel

1) Vandalismo não é manifestação

O direito de manifestação não inclui a violência e o vandalismo.

Em sua escalada de contestação ao voto popular, o bolsonarismo atravessou todos os limites, agredindo pessoas, perturbando a ordem pública, promovendo quebra-quebras, ensaiando atentados terroristas.

Não querem convencer ninguém: querem se impor pela força. Não são manifestantes. São criminosos.

2) Golpismo não é liberdade de expressão

A direita se colocou na posição de guardiã da liberdade de expressão – com o que pretende resguardar a possibilidade de poluir o debate público com mentiras deslavadas e com sua pregação preconceituosa e liberticida.

A liberdade de expressão é um direito da cidadania, que precisa ter acesso a pontos de vista e argumentos diferentes, a fim de formar sua opinião. Usá-la para degradar a consciência pública é um contrassenso.

3) Inércia não é democracia

A democracia exige tolerância às divergências – como disse Claude Lefort, seu “gesto inaugural” é o “reconhecimento da legitimidade do conflito”. Mas isto não quer dizer que ela não deva se defender quando ameaçada.

O bolsonarismo não é só um movimento político conservador. Nem mesmo um movimento com simpatias autoritárias. Ele tem um projeto de destruição da democracia que engloba até o uso da violência. Por isso, deve ser combatido com toda a força da lei.

4) O golpismo não é espontâneo

Os atos de domingo (8) na Praça dos Três Poderes têm perpetradores que estão sendo identificados pouco a pouco – os vândalos que invadiram as sedes dos poderes.

Mas, por trás deles, estão os organizadores dos acampamentos e das caravanas, seus financiadores e aqueles que, por meio do ódio e de mentiras, criaram o clima de desvario necessário para que a ação ocorresse. Todos devem ser responsabilizados pelo que fizeram.

5) A “neutralidade” não é admissível

De todas as lideranças políticas do país é exigido um repúdio firme e sem rodeios ao golpismo. Qualquer hesitação demonstra cumplicidade com os atentados contra a democracia.

Os representantes da direita que desejem participar do jogo político democrático precisam marcar sua distância em relação aos Bolsonaro e à sua tropa de choque. É preciso construir um “cordão sanitário” que isole os inimigos declarados da democracia.

Não basta um repúdio protocolar e hipócrita ao vandalismo, como no tuíte que Bolsonaro publicou ontem.

É preciso reconhecer expressamente o resultado das urnas e a legitimidade do governo do presidente Lula.

6) Só com justiça pode haver paz

Evitar a punição pode evitar tensões no momento, mas perpetua a instabilidade. Essa é uma lição que devíamos ter aprendido com o fim da ditadura militar, quando o Brasil optou por não punir os assassinos e torturadores do regime.

A democracia não será sólida se conspirar contra ela, golpeá-la, subvertê-la, forem ações sem consequências. Processar e punir, na forma da lei, quem cometeu, organizou, financiou e inspirou os atos de ontem é um imperativo de justiça e uma necessidade para o futuro do Brasil.

7) Cumplicidade é crime. Inação é crime

Agora afastado do cargo por Alexandre de Moraes, o governador do DF, Ibaneis Rocha, colaborou com os golpistas ao negligenciar, de forma deliberada, a segurança de Brasília.

Também são criminosos os agentes e comandantes das forças de segurança, tanto policiais como militares, que têm se omitido ou mesmo cooperado com o golpismo – antes, durante e depois dos atentados de ontem à tarde.

Forças de segurança têm que cumprir a lei

Policiais se congraçando com vândalos, militares protegendo terroristas: os agentes da repressão estatal não se cansam de desafiar a democracia no Brasil.

A prisão de Anderson Torres, solicitada pela AGU, vai na direção certa: punir os responsáveis, até para estimular que os frouxos e oportunistas se comportem bem. Mas a tarefa de limpar polícias e forças armadas de autoritários e baderneiros não pode mais ser adiada.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).

Foto: Marcelo Camargo – Agência Brasil

Publicado originalmente em Jornal GGN – GGN