Opinião

Violência nas escolas e a banalidade do mal: novo ataque mostra que combate à extrema-direita é uma questão de vida

Mais um ataque a uma escola registrado no Brasil, desta vez em Cambé, no Paraná. Um ex-aluno entrou na Instituição e tirou a vida de dois adolescentes com tiros na cabeça. O crime ocorreu nesta segunda-feira(19). Uma das vítimas morreu na hora; a outra, nesta terça-feira (20). O assassino foi detido por um civil de 62 anos, que  ouviu os tiros, correu à escola, se passou por policial e o segurou até a chegada da polícia. Falhou o Estado. Falharam os planos de ação pensados até aqui para conter os massacres?

Os ataques a escolas têm se tornado cada vez mais frequentes e refletem o avanço preocupante da violência. Nos últimos 21 anos, entre janeiro de 2002 e maio de 2023, foram registrados pelo menos 30 ataques violentos em escolas no país. Chamo atenção para um detalhe: mais da metade dos ataques ocorreu nos últimos 4 anos. Ao todo, 46  pessoas morreram; 138 ficaram feridas (Instituto Sou da paz/2023 – dados atualizados). Um dos casos mais brutais aconteceu em 05 de abril, quando um homem invadiu uma creche em Santa Catarina, mantando quatro crianças de 4, 5 e 7 anos com uma machadinha e ferindo outras cinco.

Os números revelam como o ódio tem sido injetado em nossa vida cotidiana. Não é coincidência que isso ocorra no período marcado pela ascensão do bolsonarismo no Brasil e do crescimento da extrema-direita no mundo, quando o discurso e a política se transformaram, o ódio deixou de ser apenas retórica e se tornou prática de gestão. A promoção do discurso e da política baseada no ódio não criaram apenas um ambiente de intolerância, mas também uma cultura de morte, intrinsecamente ligada ao totalitarismo e à banalidade do mal. Esse contexto precisa ser levado em consideração para que possamos compreender a raiz do problema e combatê-lo desde sua origem.

Em janeiro de 2022, a antropóloga Adriana Dias divulgou dados alarmantes de sua pesquisa, revelando um crescimento de mais de 270% dos grupos neonazistas no país entre janeiro de 2019 e maio de 2021. Segundo o levantamento, existem pelo menos 530 núcleos com aproximadamente 10 mil extremistas. Essas evidências refletem um estado de violência que está sendo normalizado por essa cultura de morte, ódio e divisão, que demoniza e desumaniza “inimigos. As redes sociais têm sido incubadoras desse mal e isso também precisa entrar no radar das discussões e da criação de políticas de prevenção e combate à intolerância. Regulamentar o funcionamento das Plataformas, que acabam financiando essa violência e a desinformação que geram engajamento e monetização, ou seja, dão lucro.

Recentemente o vice-governador Lucas Ribeiro (PP) esteve em Brasília em reunião com o presidente Lula, ministros de Estado, membros do Supremo Tribunal Federal (STF), representantes da Câmara dos Deputados, do Senado, do Ministério Público, governadores e outros agentes políticos para tratar do tema e discutir alternativas e caminhos possíveis às ameaças às instituições de ensino no país e à nossa fragilidade perante essa situação. Algumas ações foram adotadas, dentre elas a instalação de detectores de metais – um paliativo necessário mas que não exclui a necessidade de ações mais complexas de segurança, educação e saúde mental. Outros pontos firmados: desenvolvimento de planos de segurança, implementação de grupos terapêuticos e espaços de acolhimento nas escolas, orientação aos profissionais da educação e à comunidade a fim de capacitá-los para identificaçr e tratar adequadamente situações que indiquem a iminência de um ataque.

Tudo ajuda, no entanto, mais está tragédia escancara nossa já cristalina vulnerabilidade. Não estamos preparados para lidar com o caos embora o caos esteja entre nós. Há um método subjacente a esses crimes, cujo objetivo se torna cada vez mais evidente: disseminar o medo e obter apoio popular para projetos que cultuam a força e a repressão. A militarização das escolas e o esvaziamento da educação são parte desse processo que utiliza o ódio como combustível. É preciso avançar diante da organização de grupos extremistas, que assediam e cooptam jovens por contágio em interações virtuais e por um discurso que passa, segundo o Relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, produzido pela equipe de transição formada por especialistas de diversas áreas do conhecimento e entregue em dezembro de 2022, pela “defesa de um pensamento deturpado de “lei e ordem”, justificação do abuso da força policial como solução estrutural para “o problema de violência”, do antiparlamentarismo, do antipluralismo, da perseguição a qualquer pensamento de esquerda, do racismo, da misoginia e da xenofobia”.

Os ataques às escolas são, portanto, sintoma de um sociedade degenerada. Jorge Coli, Professor de história da arte na Unicamp, fala em “nazifascismo incubado, fruto de um projeto de barbárie contido por voto e instituições no ano passado, mas que continua ameaçando a civilização no país”. O desafio está posto e não é pequeno. É preciso entender que tipo de sociedade estamos produzindo e que sociedade queremos ser: se pautada pelo ódio que degenera a humanidade ou se consciente das razões que nos trouxeram a esse caldo de intolerância para repactuar nossas relações pelas vias da civilidade, da justiça e da democracia.