A participação das mulheres nos espaços de poder
Fui convidada recentemente para dialogar com as mulheres do Partido dos Trabalhadores sobre a participação das mulheres nos espaços de poder, e a reflexão que fiz no evento, gostaria dividir com vocês na coluna de hoje, pois é preciso nos empoderarmos mutuamente e ocuparmos cada vez mais espaços na política, na sociedade e na vida. No entanto, para falar em participação feminina nos espaços de poder é importante fazer, antes, algumas considerações:
- O Brasil é um país patriarcalista, eurocentrista e conservador, cujos governantes, ao longo dos séculos, são predominantemente do sexo masculino e trazem toda bagagem cultural do eurocentrismo hegemônico no ocidente;
- A baixa representatividade das mulheres nas universidades, na política, na vida pública e nos espaços privados, é um dos sintomas de um país patriarcal onde predominam as funções de liderança masculina;
- A discussão sobre os espaços de poder ultrapassam as questões de gênero e incluem outras categorias como classe e raça.
É importante antes de iniciar a discussão, entender o conceito do termo feminismo, tendo em vista que muitas pessoas acreditam, de forma equivocada, que é o feminismo a sobreposição da mulher em relação ao homem. Feminismo é, na verdade, um movimento que reivindica a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres, a igualdade de gêneros onde não deveria haver dominados ou dominantes, opressores nem oprimidos.
Diante dessas colocações, é interessante iniciar nossa reflexão a partir do momento histórico de 1932, quando o então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto que garantiu às mulheres o direito ao voto, no entanto, a “permissão” para votar era dada apenas às mulheres casadas e estas precisavam da autorização dos seus respectivos maridos. Também poderiam votar as viúvas e as solteiras que tivessem renda própria, que fossem alfabetizadas e empregadas. A questão é: quantas mulheres tinham acesso à educação escolar? Quantas ocupavam espaços no mercado de trabalho? A participação da mulher nesses espaços era ínfima e as que ocupavam esses espaços, eram desvalorizadas financeiramente, humanamente e subestimadas profissionalmente. Além disso, sua grande maioria era branca e participavam, de alguma forma, das elites oligárquicas brasileiras. Há ainda a parcela de mulheres negras que ocupavam espaços nas cozinhas e nos quartos de despejos das mulheres brancas das elites do império patriarcal e racista que sempre primou pela manutenção dos seus espaços oligárquicos em prejuízo das camadas vulnerabilizadas e minorizadas social e politicamente.
Em 1946, após muitas lutas e uma intensa campanha pela cidadania plena, o direito ao voto foi, finalmente, estendido às mulheres. O sexo feminino, considerado pelas elites patriarcais e dominantes como cidadãs de segunda classe, iniciaram assim, a busca pela representatividade nos espaços de poder.
A questão que se apresenta é a seguinte: não há como uma mulher ocupar espaços de poder sem a luta cotidiana que passa pelas categorias de classe, gênero e raça. As classes mais privilegiadas das elites ou que tinham algum poder aquisitivo real foram as primeiras a ocupar pequenos espaços periféricos de cidadania. A partir delas, outras mulheres se integraram a luta. Aqui acontece a luta de gênero, a luta por equidade entre os gêneros. Mas dentro desse espaço há outra luta, tendo em vista que as mulheres à frente dessas atividades, em sua maioria, são brancas e partícipes de grupos de uma pequena parcela mais abastada da sociedade. O que é intrínseco, próprio desse espaço de luta por equidade é a luta de classes. As mulheres invisibilizadas, silenciadas no processo de submissão e violação dos direitos humanos e constitucionais, mulheres desfavorecidas economicamente, muitas com dupla jornada de trabalho, outras subempregadas. Nesse ponto a luta de Gênero e de classes passa a agregar também a questão étnica. As mulheres negras, as indígenas e as trans são a base dessa pirâmide e as mais invisibilizadas e silenciadas, constituindo, no olhar patriarcal, a segunda classe da segunda classe. Elas travam uma batalha a mais para conquistar seus espaços.
Uma outra questão e que é bastante pertinente se refere ao espaço de cidadania conquistado como eleitoras. A luta foi árdua e segue todos os dias para que não percamos espaços já conquistados. Nesse sentido é importante lembrar que somos, enquanto mulheres, mais de 51% do eleitorado brasileiro, no entanto, continuamos elegendo homens conservadores e representantes das oligarquias patriarcais e opressoras. Essa é uma reflexão importante e necessária. Lutamos para ter esse direito ao voto, mas não conseguimos colocar nos espaços de representatividade mulheres para ocupá-los e seguir na luta pela cidadania plena, pela equidade nas categorias de gênero, classe e raça.
Esses são marcadores sociais de exclusão (gênero, classe e raça). Mas há outra discussão que precisa ser travada dentro desse tema: a questão da consciência de classe e dentro dela, da consciência social, política, de raça e de gênero. Nesse sentido, a ocupação de espaços por parte das mulheres não cabe apenas ao espaço em si, mas ao espaço ocupado com consciência de classe, sabendo quem somos, onde estamos, quem está do nosso lado e onde queremos chegar. Sem isso, não a como ocupar espaços reais, espaços de construção e luta, pois não há participação efetiva nem empoderamento. Um exemplo disso é a promoção de candidaturas políticas de mulheres conservadoras que reafirmam o poder patriarcal e atuam de forma contraproducente, de forma contrária às pautas femininas. Muitas vezes esse patriarcalismo presente no comportamento e na atuação dessas mulheres se fundamenta nas religiões cristãs que subalternizam as mulheres desde a forma como se enxerga o mito bíblico da criação e da figura de Eva, a mulher feita a partir das costelas de um homem e que levou o homem a ser expulso do paraíso. E assim os religiosos fundamentalistas deturpam, distorcem os sentidos das historias e alegorias, e as interpretam de forma a subalternizar cada vez mais as mulheres a partir da narrativa da “natureza feminina”. Como diz Sueli Carneiro (2017, p. 17), “Nós somos sobreviventes e somos testemunhas, porta-vozes dos que foram mortos e silenciados. Nós estamos aqui. A elite intelectual deste país, no começo do século 20, só tinha uma preocupação: quanto tempo levaria para esta mancha negra ser extinta”, mas nós estamos aqui e daqui não arredaremos. Como afirma Sueli Carneiro (2017), a liberdade exige uma vigilância constante e a conquista de direitos é uma luta permanente.
É preciso mudar esses paradigmas, esses modelos sociais estabelecidos pelo patriarcado. Somos a maioria em números gerais da população e ainda assim não conseguimos ocupar os lugares que precisamos para mudar esse padrão eurocêntrico do patriarcado. Não há uma fórmula mágica para mudar esse cenário, nunca houve! É preciso ocupar espaços políticos para mudá-los, principalmente porque o poder constituído é feito por homens e para homens. Precisamos mudar a forma de pensar a política, a religiosidade e a religião, mudar a cultura porque os mitos não caem sozinhos, eles precisam ser desmascarados, desnudados e enfrentados, e só mulheres empoderadas e conscientes do seu papel social e político podem provocar essa mudança, por isso, parafraseando o Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels mulheres de todos os países, uní-vos!
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005.Tese Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001465832 . Acesso em 26 Mar. 2021.
CARNEIRO, Sueli. Sobrevivente, testemunha, porta-voz. Revista Cult. Entrevista Bianca Santana. N° 223, ano 20, Maio 2017.