Na hora da política, o espantalho da antipolítica

 

Política é a experiencia concreta que todos experimentamos desde que nascemos. Logo, restringir o fazer política aos palácios, cortes e parlamentos é fruto de um processo que desqualifica o papel do povo na política, e que atende aos interesses de quem se coloca como a voz desse povo para tomar decisões sem que precise ouvi-lo, entende-lo e se fazer entender por cada individuo da tribo.

Política é a ausência de políticas públicas consistentes que garantam emprego e renda no meio do colapso social causado pela pandemia, mas é também como cada pessoa reage a esse estado de coisas. Na ação, individual ou organizada, e na omissão. Tudo política.

João Pessoa vive uma febre do discurso que prega a ‘’antipolítica’’ com um delay de 2 anos, quando esse mesmo discurso se espalhou como um vírus na cena política nacional e contaminou o debate público, até que nele não houvesse compreensão de problemas concretos e construção de soluções reais.

Decerto que há uma fadiga legítima entre nós do povo. Na guerra dos discursos de palanque e da crônica política criada pelos grandes veículos de imprensa, é difícil não se sentir perdido.

Nada parece certo ou confiável.

Daí a importância de não negar o palanque, a imprensa, nem a instituições, mas se apropriar de uma posição crítica sobre a avalanche de informações que estamos digerindo na marra. O caminho não é outro se não retornar a ideia inicial aqui apresentada: da política como experiencia concreta. Empoderamento e cidadania.

E me permita abrir os olhos. É ingênuo, insosso ou malicioso o discurso que nega a política prometendo a purificação dos espaços de poder. Na antessala do poder está a disputa, e são usadas armas de toda sorte para que sente na cadeira e use a tal caneta bic quem atenda aos interesses daqui ou dali.

Se nada parece certo ou confiável, é olhando para nossas experiências concretas como filhos da cidade, parte orgânica de uma história acontecendo agora, que devemos buscar as respostas que vão guiar as decisões que precisam ser tomadas.

Na democracia a pergunta que nos fazem nas eleições não é sobre quem vai entregar a cidade que queremos, mas, sobre ao lado de quem nós poderemos ter melhores condições para juntos construirmos essa cidade que começa a existir neste domingo estranho. Afinal, nossos sonhos não cabem nas urnas, nossos pesadelos sim.

Nada parece certo ou confiável, mas com o olhar atento podemos alcançar lucidez e encarar de frente as alternativas, e escolher em qual projeto de cidade queremos deixar nossas digitais.

Capacidade conta, habilidade política conta, legado também.  Mas sobretudo, conta o compromisso de quem recebe o voto, e o grau de confiança de quem deposita esse mesmo voto de que as expectativas não serão frustradas.

Vivemos uma cidade partida em vários pedaços. A praia e as periferias possuem realidades tão distintas que coexistem nesse território e precisam se encontrar amanhã, pra decidir o que será. E a nós cabe decidir pela cidade cuja realidade conhecemos apenas pelo que nos dizem os que vem de lá. Onde falta muito, muito precisa ser feito, e na origem e continuidade desses problemas públicos está nossa insistência em não fazer nada a respeito.

Temos desafios de inovação tecnológica e modernização da gestão, de habitação, de políticas de saúde e saneamento. Temos o desafio de ter uma cidade construída por mais mulheres e para todas elas, ainda que se dê licença para um homem aqui ou acola, como me foi dada permissão pra estar escrevendo nesse espaço que é potência de criação.

Desafios cuja superação se dá por meio de políticas públicas, que, não se enganem, tão melhores serão conforme a capacidade de entender e ouvir o povo tiver a pessoa que receber nosso voto.

Porque a grande virada em João Pessoa é a prática de uma cidadania responsável, que entende as limitações de quem ocupa o espaço de poder e as supera pela participação popular e controle social a escassez de ideias e qualquer má vontade política.

Sobretudo, temos o desafio que supera as urnas.

Política é a mulher negra, a quem foram negadas políticas públicas de educação, saúde e mobilidade. Não teve qualificação, é medida pela riqueza que pode gerar, então é tida por miúda e despercebida, apesar das lutas gigantes que trava todos os dias. Ela está com o filho nos braços, a criança tem febre. O ônibus demora e ela só tem recursos para a viagem de ida. Não sabe onde encontrará atendimento, mas tem as piores expectativas. O mais grave talvez seja o fato de que ela só consegue enxergar em cada situação uma tragédia pessoal, não um problema público que deveria ser resolvido imediatamente com todos presentes na praça.

Se você vê carga dramática na história breve e limitada que tentei contar acima, eu vejo João Pessoa acontecendo no instante em que escrevo, e se repetindo no instante em que você lê. Dê respostas para essa mulher imaginária que se torna real na existência de tantas.

Nenhum debate ético supera o espanto que a miséria e sua perpetuação devem causar em todas, todos e cada um.

A antipolítica teme a boa política como a casa grande temia a senzala. A antipolítica não tem compromisso com a realidade posta, menos ainda com as pessoas, pois diferente da política não é uma experiencia concreta. É falácia, discurso fabricado para nos atingir no nosso cansaço, nossa fadiga. Antipolítica é farsa perigosa a serviço de projetos antipovo.

Amanhã, seja como for, suspeito que apesar da onda aparente, João Pessoa vai varrer a antipolítica para a latrina. Porque o povo precisa ter a chance de aprender a força que tem, apesar de tanto, apesar de tantos.

Há braços.