O plano C, a esquerda e a igreja de Edir Macedo

No último dia 24 de janeiro, em O Globo, o colunista Demétrio Magnoli publicou o artigo “Terceira via, miragem e realidade”. Com bases nas últimas pesquisas, constata que a autoproclamada “terceira via” não está decolando e que no mundo real, fora das mídias socias, Bolsonaro (PL) está chegando a 64% de rejeição e Lula (PT)se aproximando dos 60% das intenções de voto. Ou seja, nem seria possível falar em polarização.

Para Magnoli, o seu êxito estaria no fato de que o petista moveu-se para o centro político, com uma plataforma baseada na ideia de unir a democracia contra o autoritarismo, ocupando um espaço que a “terceira via” não conseguiu ocupar.

Considerando quem assina o texto e o onde fui publicado, temos um cenário já alertado por diversos analistas políticos à esquerda, de um plano C da burguesia brasileira. Se há algo que unifica a classe dominante são seus interesses econômicos, vida a pauta do Congresso Nacional desde Temer até Bolsonaro. Aliás, este é o papel do “ex-posto Ipiranga” Paulo Guedes no governo Bolsonaro, garantir a segurança dos “mercados” apesar da qualidade (sic) da equipe do presidente.

Não à toa, mesmo quando o Palácio do Planalto vivia em conflito permanente com o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (hoje sem partido), a pauta econômica do governo andou no Congresso sem sobressaltos. Afinal, a política não poderia atrapalhar a economia. Para a classe dominante a separação entre política e economia é vital, para que a primeira não atrapalhe a última.

O plano A seria a reeleição de Jair Bolsonaro, afinal, seu governo Bolsonaro entregou o que prometeu para os ricos. Porém, o bolsonarismo é para a burguesia como um perverso capaz para um cruel fazendeiro: faz as maldades em seu nome, mas não sai na foto da família e nem senta junto à mesa. Sem apresentar viabilidade para enfrentar uma candidatura da esquerda, o bolsonarismo, mesmo que mantenha apoio de alguns setores na mineração e no agronegócio, vai perdendo utilidade para a classe dominante.

O plano Bseria uma candidatura da chamada “terceira via”. Um bolsonarismo na economia sem um Bolsonaro na política. Seria a tentativa de retomar os planos de 2018, com uma candidatura neoliberal de “bons modos”. Mas, a versão soft perdeu o espaço quando a versão hard fazia até arminha com a mão. O resultado é que Alckmin (PSDB) só teve 4,7% dos votos, Amoedo (Novo) 2,5% e Meireles (MDB) 1,2%. Somados, não chegaram a dois dígitos. Hoje, este campo estreito é ocupado por Doria (PSDB) e Moro (Podemos).

Resta então o plano C. Como em “O leopardo” de Giuseppe Tomasi de Lampedusa, algo deve mudar para que tudo continue como está. O texto de Demétrio Magnoli indica que, em Bolsonaro perdendo competitividade para enfrentar o PT e a “terceira via” não construindo um nome, restará tentar influenciar ao máximo a candidatura e o programa da esquerda.

E há algo que favorece o plano C. A esquerda brasileira tem preferido fazer o que é possível dentro determinada correlação de forças, sem acumular forças para mudar essa mesma correlação. Ou seja, entre uma boa briga e um mau acordo, a escolha tem recaído sobre esta última opção.

O que o golpe de 2016 mostra é que a classe dominante é a classe mais radical no Brasil. A burguesia brasileira não tem compromisso algum com a democracia e com as regras de seu próprio jogo. Enquanto isso, há na esquerda, majoritariamente, a propensão a enxergar o Estado como uma instituição neutra e acima dos interesses de classes. Já que não gostam de Marx e Engels, estes setores poderiam ouvir o que disse Paulinho da Viola em “Dança da Solidão”: “quando penso no futuro, não esqueço meu passado”.

Há ainda aquele efeito apontado por Pedro Aleixo, vice-presidente civil do ditador Costa e Silva. Ao comentar os efeitos do AI-5, Aleixo teria dito em tom jocoso que sua preocupação não era com o presidente nem com sua equipe. Mas, com o guarda da esquina. Na esquerda, basta uma sinalização de conciliação de classes que já pode encontrar militante procurando golpista para abraçar e chamar de amigo.

Caberá à esquerda e, em especial ao PT, não apenas defender um eventual novo governo Lula dos ataques da direita – que não cessarão – mas sobretudo, não recuar das pautas mais importantes para a classe trabalhadora, disputando a agenda e os rumos do eventual governo. Sem essa clara percepção de que governo, partido e movimentos sociais são instâncias diferentes, a palavra “governabilidade” será sinônimo de rebaixamento programático para atender às pressões da direita.

O plano C da classe dominante prevê ampliação de investimentos em programas sociais, como uma concessão, mas desde que se mantenha a atual política econômica neoliberal. O Brasil que Lula representa, com gente estudando, trabalhando, morando bem, comendo bem e podendo fazer planos para o futuro, não cabe neste Brasil criado pelo golpe de 2016. E como o Brasil voltará a crescer sem desarmar as armadilhas neoliberais que estão sendo montadas desde então?

Alguns setores da esquerda têm adotado como programa a defesa da democracia primeiro, para lutar contra o neoliberalismo depois. Esta fórmula transforma a esquerda na terceira via como concluiu Magnoli em seu texto. E despolitiza a política, esquecendo ou fingindo esquecer que é a política neoliberal a base de sustentação do governo Bolsonaro.

A esquerda brasileira não pode assumir um papel de gestão terceirizada de uma crise que não construiu. Em se confirmando um próximo governo Lula, com bases ainda mais amplas que as experiências anteriores, não bastará apenas a eleição de parlamentares do campo democrático e popular. Será preciso retomar a capacidade de mobilização social. Para isso, é importante que recupere a capacidade de politização do debate público, disputando concepção de mundo.

Enquanto muitos acham que basta esperar as eleições e eleger Lula, sem importar com qual programa e com qual vice, a igreja de Edir Macedo, agindo como um partido político, mostra como é se disputa de hegemonia e capricha na formação política. Esta semana, usou seu jornal com tiragem semanal 1.700.000 exemplares, para dizer que é impossível ser cristão de esquerda. Mesmo que seja mentira – como de fato é -ve mesmo a mentira tenha um pai na tradição cristã, o que a igreja de Edir Macedo está mostrando é que a Política não começa e nem termina nas eleições, que quando alguém da classe trabalhadora não se identifica como tal, buscará outras identidades e que água e óleo não se misturam. Aliás, se misturados, ambos perdem suas validades.