Opinião

Situação do Trauminha é sintoma da crise da Saúde Pública no país

Ministério Público da Paraíba e Conselho Regional de Medicina fiscalizaram o Trauminha, em Mangabeira, na útima segunda-feira (2) e constataram o que já é de domínio público: na farmácia e no bloco cirúrgico não havia o mínimo básico de insumos e medicamentos utilizados na área de anestesiologia, o que levou ao cancelamento de cirurgias agendadas. A direção do hospital terá até o dia 15 providenciar um estoque suficiente para 15 dias.

Durante a inspeção, o CRM observou ainda a ausência de acessórios para a sala de recuperação pós-anestésica e sala de observação. O MPPB e o CRM deram prazo de 48 horas para que esses acessórios sejam providenciados.

O MPPB também requisitou ao hospital informações sobre as cirurgias que foram canceladas nos últimos meses e os motivos do cancelamento, a série histórica de 2021 de uso dos medicamentos e a programação para 2022.

O Trauminha, com o perdão do trocadilho, é um trauma na saúde local. Há anos o problema se renova, com piora aguda do quadro. O ex-secretário da pasta, Fábio Rocha, chegou a admitir que tinha vontade de fechar o hospital pela dificuldade de mantê-lo.

Com 155 leitos, sendo 21 de cirurgia geral, 77 de ortopedia e traumatologia e os demais distribuídos entre isolamento (4), clínica geral (8), UTI (8), psiquiatria (3) e áreas cirúrgicas, diagnose e terapêutica (4), o Complexo Hospitalar de  urgência e emergência atende pacientes de vários municípios. Deveria ser referência positiva, mas vem definhando e entrando em falência múltipla.

Falta dinheiro? Há quem diga que não, mas não é bem assim. O Brasil coloca na saúde 9,2% do seu PIB, que é soma de todas as riquezas produzidas por aqui. Esse percentual está acima da média de 8,8% dos 37 países-membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), cuja maioria é rica.  O problema é que mais da metade do dinheiro abastece o setor privado e apenas 4%  da fatia dos recursos ficam no setor público, ou seja, o que sobra é muito pouco e ainda é mal aplicado.

Eis um outro elemento da crise da Saúde no país: gestão, especificamente a má gestão de recursos. O Tribunal de Contas da União já fez um levantamento sobre isso e chegou à conclusão de que problemas pelos quais passam o Trauminha estão muito atrelados a falhas gerenciais. Alerta não se limita ao plano nacional, vale também estados e municípios que precisam aplicar, o mínimo de 12% e 15% respectivamente de sua receita corrente bruta em Saúde. Como esses recursos estão sendo geridos?

Para além disso é mister repensar o Sistema e o modo como ele funciona. A pandemia da Covid-19 vem nos mostrando isso.  A cultura da doença não é sustentável, pelo contrário, é autofágica! As carências da população crescem junto com ela e toda sorte de mazela que resulta do abandono e desamparo social: fome e miséria produzem mais doença. É preciso criar uma cultura de saúde e colocar a prevenção como foco. É preciso ter equidade na Saúde e isso pede, entre outras coisas, ampliação e aprimoramento dos serviços da Rede de Atenção Básica, além de melhorias na Regulação, e planejamento que resultada em um melhor atendimento na emergência.

O médico sanitarista e epidemiologista Eduardo Azeredo Costa é cirúrgico quando trata do tema: “Eu sempre digo que a minha especificidade é a união da saúde e da política. Não é política de saúde. É política e saúde. São coisas que se falam, e são paralelas, uma não larga a mão da outra. Ao mesmo tempo, nenhuma deve ocupar o lugar da outra”, diz.  Segundo ele, há “muita interferência política indesejável” em relação à execução de contratos no SUS, o que respinga nos municípios.

Trocando em miúdos: é tudo muito complexo e não se resolve algo assim da noite para o dia. A qualidade da Saúde Pública depende de um reordenamento que pede vontade política nas diferentes esferas. Vão remediar a situação do Trauminha aqui, e de outras unidades de saúde país afora porque não há outro remédio a curto e médio prazos. Mas não dá pra continuar passando essa bomba de mão em mão. A má prestação dos serviços de Saúde carece de uma intervenção ‘cirúrgica’ a começar pela gestão profissional das Unidades de Saúde uma vez que municípios e gestores têm obrigação legal de oferecer um bom atendimento à população – Leia-se bom como diligente, eficiente e humanizado.

Em tempo: a responsabilidade não se esgota no executivo. Além dos órgãos fiscalizadores, o legislativo não pode, nem deve ser inerte, passivo e complacente com questões que comprometem a vida, o bem-estar e a dignidade das pessoas. Até que haja um Plano Nacional de Recuperação da Saúde Pública, que o ‘choque’ venha de baixo.