Opinião

Mulheres – contra a violência e pela emancipação, o que nos resta é trabalho

Parlamentos, municípios, estados, direção de grandes empresas… Apesar de minoria nessas esferas de poder, mulheres têm conquistado cada vez mais espaço no mercado de trabalho, no debate público e buscado aprofundar a discussão de gênero a partir da necessidade de políticas afirmativas e de inclusão. É um movimento. Primavera feminina que aponta para o desabrochar de um tempo em que aprendemos a dizer basta!, embora isso ainda não seja o bastante.

Há quem chame de empoderamento. Que seja! Só não é moda. É luta. Revolução. Levante contra as relações de subalternidade que aprisionam, censuram, emudecem e matam. Essa revolução – lenta, mas necessária – começou ainda o século XX, na Rússia, com mulheres que se opuseram ao sistema, à jornada de trabalho massacrante em condições de higiene insalubres, aos salários baixíssimos e decretaram greve. Era o ano de 1917. Elas pediam unidade, apoio dos operários e soldados contra regime czarista.

Foi essa mobilização 104 anos atrás que preparou o terreno para a participação que temos hoje, que possibilitou o direito ao voto feminino, que nos tirou da mais completa invisibilidade e nos deu capacidade de reação à opressão. Mas o movimento não pode parar. Não enquanto mulheres continuam sendo assassinadas porque são mulheres. E esse machismo estrutural radicado em valores perverssos e permissivos com a violência tornou-se ainda mais cruel com a pandemia. Em 2020, por dia, 5 mulheres foram assassinadas no Brasil.  Dados da Pesquisa “A Dor e a Luta: Números do Feminicídio” trazida pelo Observatório da Segurança. Na Paraíba, só em dezembro de 2020, 8 dos 10 casos de assassinatos investigados pela polícia estão relacionados a feminicídio.

Isso precisa parar. Nossas vozes precisam de outras vozes. Há uma guerra pela vida, pelo respeito, por igualdade de condições e oportunidades que deve ser abraçada por mulheres e homens, independemente de sua condição social, de sua orientação sexual, de partido político. Estamos falando de civilidade. Para além da Covid-19, precisamos combater o que a Organização as Nações Unidas (ONU) chama de pandemia do feminicídio. Em comunicado recente, de novembro de 2020, Dubravka Simonovic, relatora especial da ONU, sugeriu junto com 40 especialistas em direitos humanos, a criação de observatórios e sistemas de vigilância que podem ajudar a prevenir a violência doméstica e o assassinato de mulheres e meninas.

Mas há outros tipos de massacres – daqueles que quando não matam, limitam  e inferiorizam a mulher. Mulheres são maioria nas universidades, mas as chances de conseguir um emprego são inferiores a dos homens (Relatório Education at Glance 2019/OCDE). Também ganham, em média, menos 20,5% que homens em todas as ocupações (IBGE). Significa que o gênero é, de fato,  questão que precisa ser debatida. E por mais outros fatores. O machismo estrutural também violenta por meio da cultura. Sim, a cultura é uma forma de dominação. Quando mulheres são ensinadas a competir umas com as outras, quando replicam a frase “sou feminina, mas não feminista” mostram o quão aprisionadas estão a um conceito equivocado de emancipação e quanto temos de luta pela frente.

Já fomos executadas como bruxas porque nosso conhecimento representava uma ameçava. Já fomos torturadas, escravizadas, vilipendiadas em nossa dignidade, tratadas como mercadoria, como objeto. Ainda somos. Representação fiel disso: em dezembro do ano passado, na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado Fernando Cury (Cidania) passou a mão no seio da deputada Isa Penna (PSOL). O assediador, pego em flagrante delito, foi afastado por 4 meses. Pena atenuada por Conselho de Ética corporativista, machista e omisso. O comportamento do deputado é produto desse padrão abusador, que pega sem pedir, que se ofende com o não. Logo, há muito trabalho pela frente: para enfrentar, para avançar em educação, conscientização, em legislação etc. É o trabalho, afirma Simone de Beauvoir, que reduz a distância que separa homens e mulheres. O caminho da independência e da autonomia passa por ele. Avante que o tempo não é de trégua!